SOL DAS MISSÕES

Paulo de Freitas Mendonça

 

O sol das missões reflete na pele rubra do chão.

O matiz do horizonte pinta a crueza de um tempo

que com o vento não passa, fica na sombra do povo,

na alma rude da raça, entranha no sentimento

e extravasa pelos poros da rima do pajador.

 

A energia das Missões tem algo transcendental.

Estranho amor pela terra na face bem definida,

miscigenado ameríndio, de herança guarany.

Desta epopéia sublime da gesta continentina

cuja memória ensina, muitos séculos depois.

 

O silêncio do arrebol traz incontido lamento,

vozes na asa do vento, sangue no oco do rio,

tropel de nativo anseio na diástole da terra,

memória viva de guerra e um denunciado holocausto,

no verso fausto das almas pela voz do pajador.

 

Quando o Jayme abria o peito, as almas pré-colombianas

convertiam sois e luas pro interior de sua voz.

Era uma invisível dança de luzes e de energia

por isso sua poesia foi semeando esperança

e tornou-se eterna lança, sublimando corações.

 

Quando ele fechava os olhos recebia mil imagens

transcritas pela linguagem em que a palavra era o ato,

porque a terra removia seus escombros de injustiça,

para quebrar o silêncio dos ancestrais massacrados,

para mostrar o repúdio às sombras de além-mar.

 

Jayme era dono de um dom - somente dado aos pajés -

de nunca subordinar-se nem a seqüência do tempo,

de reescrever a história, pajador misto de monge,

que às vezes andava longe, mas sem sair do lugar,

para buscar uma voz e então vesti-la de luz.

 

Ele arrastou uma cruz, quatro braços e três séculos.

Por ter milênios de paz levou seu fardo cantando

seus versos irrepetíveis, sorvidos da imensidão.

Mudou o mundo ao seu jeito, pois tinha dentro do peito

fiel pulsação da gleba e o esplendor de “coaraci”.

 

Jayme, um cacique da aldeia, era o sol das missões,

a própria luz da região que abria o dia do verso.

A quem quisesse sua mão, ofertava o coração.

Por isso há no matiz quatro cores e dez tons,

é o pajador na Espinela a clarear o universo.