BOA NOITE SOLIDÃO

Odilon Ramos

 

Vai entrando, solidão. A casa é tua.

Nesta hora em que a cidade se amortalha.

Não há ruído aqui, nem lá na rua;

Ninguém nos ouve, nem nos atrapalha.

 

Empresta-me ouvidos de silêncio.

Teus olhos cegos e teu canto mudo;

Me empresta este vazio, enquanto penso.

Pra que eu, pensando em nada, esqueça tudo.

 

Quero em teu colo, acomodar-me quieto.

Deixar passar o tempo em abandono;

Ficar horas a fio olhando o teto,

Até sentir cansaço e vir o sono.

 

Saudade pode vir bater à porta...

Tristeza? É quase certo que ela vem.

Deixa que entrem...Tanto faz e pouco importa;

A casa é grande e o coração também...

 

Se por acaso eu sorrir sozinho,

Disfarça, solidão; sejas discreta,

Pode ser a lembrança de um carinho

A visitar-me nesta hora quieta.

 

Se, se repente, eu chorar baixinho,

Também não faças caso, solidão.

É só a cicatriz de algum espinho,

Que um dia me arranhou o coração.

 

Amores vem e vão. Como os amigos;

Nem bem um chega, outro desaparece.

Só minha solidão fica comigo;

Não muda, não se vai, não envelhece.

 

Por isso, quando chegas não reclamo;

Abro-te a porta e te recebo bem,

Talvez devesse até dizer que te amo,

Pois tu és sempre o amor de quem não tem.

 

...Por fim, quando vai alta madrugada,

Rezo um "Pai-Nosso" e um Sinal da Cruz,

"Boa-Noite, Solidão"...Não ouço nada...

"Boa-Noite, Solidão"...E apago a luz...