Réquiem para Juvêncio Gutiérrez
Moisés Silveira de Menezes
Negros “maidanas” surrados
sombreando cinco ventenas
de tal modo distribuídos
como a antever no vislumbre
um não sei quando nem donde.
Matreiros, denunciavam pela estampa
fúnebre guarda paisana
num rude ritual de adeus
ao chefe um “malacabeza”
nome – Juvêncio Gutierrez.
O denso gris desse quadro
contrasta ao colorido
primaveril dos floreados
de sombrinhas e vestidos
das mulheres, mais de quinze.
Sinceras, santas, pagãs
recendendo a “patcholi”,
vazão ao pranto, num preito
ao extinto, um “honoris causa”
dos bailes de rancherio.
Aquela que fora um sonho
posava junto à família,
três ou quatro mais chegados,
sombria, linda, sem lágrimas
emprestando ao ato último
um tom sério, imprescindível
pelos ditames sociais
e requisitos da igreja.
Se a morte é novo caminho
os ritos são milenares.
Fizera fortuna, Juvêncio,
contrabandeando farinha
e outros tantos que fazeres
de escambos e mercancias
infracionais, bem se diga
que concederam à fronteira
ar de encantos e mistérios
sob a vigilância austera
da velha rural montada
e dos “gendarmes de allá”.
Tropas de gado e tropilhas
cruzavam a divisória
burlando impostos legais,
enricando coronéis
e destemidos malevas.
Vez por outra a cantilena
de fuzil, “Colt, Smith”
quebrava a calma da linha
acordando a madrugada
nos dois lados do Uruguai.
Crescera Juvêncio e assim vivera
nessa dura doce vida
misto bandido e herói,
gravando em páginas cruas
estórias, causos e ditos
na boca das pulperias.
Mas, malabruja, o destino
empurra os homens pra frente
e passa o tempo tecendo
os fios da vida e da morte.
Nunca bem esclarecido
por mais que falado fosse,
ferido fora num salseiro
não sabido contra quem,
sumiu num clarear de dia
rumo da banda de lá.
Os suspiros das saudosas
foram aos poucos fenecendo,
e assim foi Juvêncio Gutierrez
ao olvido relegado.
Arribaria de volta
foi o recado mandado.
Na estação de Uruguaiana
chegaria as três da tarde.
Prelúdio de mau agouro,
prenúncio de temporal.
O chapelão, uma afronta,
o “Smith”, a voz das trevas,
um fronteiro encurralado
por deboche à prepotência.
Desenhara a vida toda
destino, rumo e razão
não iria findar agora
longe dos seus e do pago.
Formou-se o cerco legal
a mando dos poderosos.
Arcaicos, quinze mosquetes
num tendal de chumbo e fumo
na caça de um que voltava
por gosto de uma saudade.
Personagem romanesco
dos embates de fronteira
tebas demais pra ser bueno,
bueno demais pra ser maula.
Se fatal encontro marcara
de sobra razões teria.
Viera de volta por ela
aquela que fora um sonho
um sonho que valia o risco
de trinta e cinco balaços.