RAPSÓDIA PARA UM SENHOR DE BARCAS E RIOS

 Moises S. Menezes

 

O rio, santuário andante

Fascina, atrai e trai

Espírito em movimento

Vivenda de vida e morte

Um mundo, um mundo em si

Une, divide, divino

Por vezes calmo, sereno

Por outras se atira rude

Extravasando as barrancas

Na prazeirosa volúpia

De fecundar as planícies

Para as lavouras de arroz.

 

Fora bem mais que um irmão,

Do rio, fizera um amigo

Sabia como ninguém

Pesqueiros, vaus e peraus

Monge de rumos e remos

Tinha tino, tinha dom

De entender os misteriosa

Das vogas e grumatãs

No seu diário mister

De buscar por guavirovas

Pitangas e guabijús.

 

Entendia quando e porque

O verdor da mataria

Se revestia de adornos

Ao mutar das estações

E o florir das corticeiras

Quebrava a monotonia

Das cores e dos perfumes,

Festim de flores e frutas

Pra gurizada ribeira...

Invasão dos fins de tarde

Pra pendurar em caniços

A prata dos lambaris.

 

Barqueiro, sábio, profeta

Transitava ao natural.

Pelos caminhos costeiros

Segredos de mato e rio,

Rude ciência primitiva

De observar ao redor,

O vento empurrando o rio

Águas girando moinhos

Moinhos rodando rodas

Rodas movendo a vida

Nesse estranho labirinto

Entre o viver e as visões.

 

No barro, princípio e fim,

Pesado e lerdo monjolo,

O tempo sempre a rodar

Lentamente seus ponteiros

Girando ao sabor do vento,

Bordara entalhes perenes.

Buscara sempre a consciência

Da relação homem-tempo,

Sabia um mundo á montante

Um outro no rio a baixo

Distância... rio se esgueirando

Saudade...a curva do rio.

 

Vira diluir-se ao longe

Amores em desencanto

Ilusões de melhor vida

Campeiro em retirada.

Muitos sonhos viu voltar

Desandando derrotados,

Deserdados desamados,

Outros sumiram, se foram...

Estradas também são rios

Travessia, caminhada

Invisível, Aquenonte

Por onde a vida navega.

Certo dia, hora incerta

Brotou no meio da bruma

Quase fantasmas silhuetas

Barco e barqueiro esperados.

Aquele que cruzou muitos

Compreendeu a hora grande...

Cruzaria o rio de sempre

Agora por derradeiro,

Pois, temprano percebera

Remo firme, rumo certo...

O rio é filho do tempo

O homem está de passagem.