RAZÕES DE CANTO E VIVER

Moisés Silveira de Menezes

 


Quando um acorde celeste

se desprende do infinito

e vem me falar de manso

pela boca escancarada

de uma guitarra fantasma

que assombra as sombras do rancho,

miro os sulcos do meu rosto

no vidro gasto do tempo

tentando encontrar motivos

prá fazer da vida um canto.

 

Insano, busco incessante

razões de canto e viver

e amalgamar a existência.

Mas, quando a mente se acalma

viajo pra os longes de mim,

motivos, então percebo

na aura resplandecente

de um retratinho pequeno,

guardado nos escaninhos

das algibeiras da alma.

 

Um vazio grande me emponcha

libertando um sonho ingênuo

do sóbrio quarto minguante

onde moro, vez por outra.

Os olhos se alongam, se alargam

querendo divisar a silhueta

do galpão, etéreo templo

onde o verso tem o encargo

de aproximar as distâncias

e formatar as ausências.

 

Me dirijo a passos lentos

a essa pirâmide campeira

que brotou das mãos virtuosas

d’álguma deusa charrua.

Sei que os parceiros virão:

- Por Deus, que tenho conciência

que não vou cantar sozinho.

Fogo aceso, a pura, o amargo

e a guitarra vidalera

pra receber a irmandade.

 

No relance, diviso ao longe

chegando dos quatro cantos

da minha terra bendita

esses monges feiticeiros

da tribo nômade e andeja

que faz do verso, um relicário

pra enclausurar devaneios.

 

Sorvo um mate, uma tragada

e a emoção aprisionada

dispara, quase que em prece.

 

Que se abram as cancelas

que se mande aos céus, poesia

pra acalmar as divindades

protetoras do meu pago.

Abram canchas pras guitarras

sonorizando o galpão,

pois, andarengos do verso

pedem permisso e pousada;

são bardos rudes, insensatos

que vêm tapados de poeira

domando rimas e ventos.

 

Quem faz poncho da poesia

não sente os golpes do tempo

tampouco não se amedronta

com sorte, azar ou destino.

Pois a vida é somatório

de momentos concedidos

pelo Grande Pai de todos.

Quem traz um verso nos tentos

tem alento, pras andanças

e lenitivo pra alma

que busca paz nos caminhos.

 

Confrades de amansar rimas

gineteando corda aladas

com mãos de acariciar china,

na mais xucra sinfonia

de ventos, sonhos, anseios

e notas despretenciosas

que brotam brejeiras, “alpedo”,

do sinuoso das guitarras:

O verso é um flete de sonho

que não volta mais, pra gente.

 

Da alma aberta, quem canta

como se, brisa ou cigarra,

por certo encontrou as razões

da própria razão do canto.

Por algo, minhas razões

vem da saudade morena

com olhos de noite clara

sorriso doce de aurora,

andar macio de corruíra

e alma inquieta de andorinha.

 

Por isso canto o amor

e, por certo, a ausência dele,

pois, não há que não se abrande

com a flor que brota da alma

e povoa a soledade

tomando forma de poema.

Então, cantarei a todos,

a quem me quer, a que me quis

e aos irmãos da confraria

de insônia, versos e guitarra.