PORTEIRA FECHADA... NÃO SE VÊ NINGUÉM VOLTANDO

Moisés Silveira de Menezes

 


Quando a filha de dez anos

morreu nos braços da mãe

num casebre de arrabalde,

João Guedes cerrou a porteira,

agora... a do coração...

Já não sentia mais nada,

não sentia, nem sofria,

nada sabia dizer, nada podia fazer,

vivendo assim retirante

se esvai repartida a vida...

um mundo posto de lado

outro deixado pra trás.

 

Uma hipoteca vencida...

o patrão perdera o campo

sinistro pêndulo humano

no galho alto do angico.

Uma primeira porteira

fechara-se para João Guedes,

o campo agora é passado.

À frente um futuro incerto.

Vendeu um resto de safra

mulher e filhos por diante

garrou a estrada do povo

com jeito de nunca mais.

 

O luzeiro da cidade

atrai homens como insetos

sem perdão depois os larga

pra o lado sombrio da vida.

A infância uma pandorga

sem sonhos para voar

inocência aprisionada

no sinuoso dos becos.

O tempo jamais permite

descaminhar o caminho

talvez por isso na estrada

não se vê ninguém voltando.

 

A charla com outros parias

na pulperia à tardinha,

recuerdos de um braço forte,

de fazer parar uma armada

campeando as aspas de um touro.

No pó dos dias, das ruas,

uma alpargata barbuda

tranqueia atrás de trabalho

enquando a mulher fenece

cuidando filho e faxina

e o mouro, amigo do arreio,

sombra, na sombra do oitão.  

Silhuetas em movimento

numa noite muito escura

no ermo de uma restinga.

Uma voz corta o silêncio:

- Levante as mãos teje preso!

Bateu na cara, de seco,

a mais cruel das porteiras.

Maleva, agora João Guedes

pena na cela pequena,

bem menor que a vergonha,

a dor de ter sido pego

carneando chibos alheios.

 

Tempo depois, asas livres

não tinha o olhar de antes

fechou mais uma porteira

ao trocar fletes e arreios

pelo caderno da venda.

A vida parece um brete!

Uma filha criou asas

a outra, que Deus a tenha,

o guri, há de ser Bueno.

Parece, agora, entender

porque na estrada do povo

não se vê ninguém voltando.

 

Ninguém sabe, ninguém viu,

o corpo encontrado

numa manhã brumarenta

olhos no céu, beirando a sanga.

Tenho pra mim, desta vez

que a mão pia e caridosa

abriu pra ele, afinal,

a derradeira porteira

mostrando-lhe um campo novo.

Se certo?! Ainda não sabemos,

porque também nessa estrada

não se vê ninguém voltando.