ROMANCE DO PALA BRANCO

Marco Pollo Giordani

 


Corria de boca em boca

A notícia do fantasma

Que a negra do Gumercindo

Viu passar naquela noite...

Noite fria...mês de agosto,

Num galopito espichado

Sacudindo um pala branco!

 

E pelos ranchos do Pago,

Todos falavam no caso...

 

Pros grandes, as vezes pilhéria

À visão da negra velha;

Pra criançada, um reforço

No mundo da assombração:

Lobisomem...Diabo Rengo...

 

No bolichinho do Gringo

A gaita parou de soco

E estremeceu num repique...

Como se o próprio gaiteiro

Morresse do coração!!!

 

A tava embicou no barro

E virou desgovernada

Num baita culo azarado!

O Jovino interrompeu

O gesto da devoção,

E a canha veio de volta

Vem pelo canto da boca!

 

Um índio de pouco sangue

Bombeou o furo pequeno

Da janelinha dos fundos,

E resvalou de mansinho

Como se a pouca vergonha

Lhe despistasse a menção.

 

Enfim...o dito fantasma

Já quase um muito formado!

E aqueles olhos sestrosos

Lhe cruzaram alto a baixo...

Num misto de anseio e medo

De desvendar-lhe a figura!

Por baixo das abas grandes

De um chapéu de feltro negro,

Sobressaía a melena

Que lhe batia nos ombros.

 

Os fiapos da barba negra

Beiravam a seda do lenço -

Um lenção da mesma cor.

 

Camisa gola redonda

De um gorgorão mui surrado.

Culote de um xadrez grande...

Com algum remendo extraviado.

 

O couro lanhado em brejos,

Das botas de cano longo

Cobrindo toda a canela.

 

Na cintura o - “trinta e oito” -

Com o cabo todo marcado;

Atravessado por baixo

Da fivela em ferradura!

E no contraste das vestes,

A seda branca do pala

Acenando soberano

Como bandeira de paz...

 

Da paz...que sempre sonhou!

 

Também mui brancas choronas,

Rosetas grandes, prateadas,

Que em muito aperto arrastou!

 

O pingo - um gateado-pampa -

Por certo - venta-rasgada

Embora um tanto estropiado!

Houve um silêncio total,

Assim como num velório...

Onde os olhares se cruzam

No rito contemplativo

Mirando a calma do morto!

 

Sempre bombeando por cima,

Foi penetrando na venda...

Naquela passada lenta

De “cuera profissional”

 

Sem buenas tarde... sem nada

Parou defronte ao balcão.

Talvez fizesse questão

De ignorar os presentes.

 

Deu uma cruzada de olho

Num gesto longo...mui calmo...

Como se medisse a palmo


Por riba das prateleiras.

 

E quebrando a calma do ambiente

Onde mermara a conversa,

Foi pedindo ao bolicheiro;

Um naco de fumo Bueno,

Duas latas de pescada,

Despôs... um liso da branca

Pra refrescar a memória!

 

Cambiou-se sem mais delongas...

Sempre bombeando por cima,

Naquela passada lenta

De cuera profissional.

................................................

Montou no pingo e partiu!

Na porta - o bando curioso

Ao longe - o pala acenando

Como bandeira de paz.

 

Agora não o fantasma...

Só “Pala Branco”... no mais!

 

Por entre o sombreado triste

De esconderijo do mato,

Seus pensamentos vagueavam

Num entrechoque brutal.

 

E à noite sempre lhe vinha

Um pouco mais de sossego;

Fitando o mundo de estrelas

Como um sem fim de fogueiras

Cintilando no Universo.

 

E depois...adormecia...

E os sonhos...todos iguais;

Pesadelos soturnais

Da polícia no seu rastro!

 

De quando em vez se bandeava

Dando pasto às ilusões;

Em bailecos de galpões

Se entreverava no mais...

 

Muito cambicho de china...

Muito romance escondido...

Sem que trompeta nenhum

Viesse cortar-lhe o caminho!

A barra de um novo dia

Mesclou de sangue o horizonte!

 

O candeeiro do Senhor,

Largou uma mecha cumprida

Mostrando o cerco formado

Sob o olhar do Comissário.

 

No presságio da manhã,

A morte bombeava quieta!

 

E ele que tantas vezes

Abrira caminho a bala,

Ali estava encurralado!
pois quando tentou saída,

Já era tarde demais!

Porém pensava que um dia...

Teria que ser assim.

 

Prometera pra si próprio

Que morreria lutando...

Fosse qual fosse a proposta

Fosse qual fosse a milícia,

Nunca confiara em polícia

Nem na justiça tampouco!

Primeiro clarão de fogo...

E um praça trocou de ponta -

Pois aprendera na lida

Que o ataque é a melhor defesa!

 

Foi então que a fuzilada

Fez saltar lasca do angico

Que lhe dava cobertura!

 

Sentiu o calor do chumbo

Tirando um naco do ombro

Onde um filete escarlate

Ia crescendo de vulto

Serpenteando pelo braço.

 

Foi então que o “Pala Branco”

Levantou-se como um taita

E avançou de peito aberto!

 

No palavreado dos tiros -

A gargalhada do eco -

Repetida pelas moitas

Naquela manhã de sol!

 

Na seda alva do pala

Iam florando pendões...

Dando impressão de coroas

De grandes Dálias vermelhas!

 

Um corpo moço sangrando...

Fim de uma vida roubada -

Onde as razões - são mistérios...

Mundo de sonhos desfeitos!

 


Assim morreu “Pala Branco”,

Retrato xucro de herói.