Romance do Laçador
Marco Pollo Giordani
Nascera assim - como nasceram
Centenas de desgarrados.
Filho de quem? – era um guaxo!
Mas isso pouco importava.
Total – a vida era aquela
Andar de estância em estância
A roupa escassa – e a bóia,
Por conta de alguma changa.
Serviço é o que não faltava!
Era um piá.
Mas tinha um sonho
Como todos os humanos
Suspirava fazendo planos
Nesta arte de viver.
Tinha um nome – Joca – o Ruivo
- Quem lhe dera?
Por certo fora a Valéria
A “sinhá preta Valéria”
Em cuja teta mamou!
Por vezes lembranças tinha
Do morno daquele leite
Florando um branco bonito,
Da teta da “Mãe Valéria”.
Já andava falado – o Joca
Mas sempre co‘ aquele sonho,
Uma mania esquisita.
Quem sabe – coisa de herança!
Nos intervalos que tinha
Por estâncias onde andava,
O Joca
Ruivo passava
Laçando palanque a esmo,
Com aquela corda de crina
Que em largas noites trançara.
E o sonho do Joca – era
Um dia pialar de cima
De algum redomão nervoso,
Unindo doma e destreza!
Que coisa braba pobreza!
E o flete? – como teria?
Os aperos... tudo
o mais?
E o Ruivo fazia planos
No mar pairado do campo
A sombra dos pajonais!
De quando em vez – a cordinha
Bailava a armada bem feita
Pra se fechar retinindo
Na cabeça dum moirão!
Mas um dia... e era corrido
Aqui na estância da várzea
Reuniu-se pra marcação .
Chegava de todo lado,
Tropeiro
- maula e andejo
Cada qual com mil façanhas
Como um rosário de glórias
Em cada volta de tentos!
“Coragem – raça – talento”
Tropita alçada – isso havia!
Criada em fundões de campo,
Em brejos nunca batidos!
E o Joca – ficava olhando!
Que coisa linda era aquilo!
Bons aperos, bom lombilho
E depois... o bate-bate
Dos cascos se misturando...
A armada em seco – aparando
Aspa nova de novilho!
Foi então... sorte? – Qual nada!
Logo depois da sesteada
Puxando um baio encerado,
Gritou pro ruivo um chiru:
Ô guri – pegue meu baio
Só cuidado – este lacaio
Já muito tombo me deu.
(Vinha rengueando o vivente,
pois se rendera num pialo).
-Os Olhos do Joça Ruivo
Quase beirando a loucura,
Se dilataram na cara
Fazendo dois patacões!
E o peito lhe parecia
Numa louca disparada,
Tropa sem rumo - assustada,
No brete do coração!
O Joca tinha bandiado
Pro outro lado da emoção!
Chegou-se devagarito
Naquele jeito esquisito
De meio piá – meio homem.
Houve um grito da pionada:
- Monta guri – já são horas!
- E o rengo disse pro Ruivo,
Espera... leve as esporas.
O pé do Joca brilhou
Na prata das nazarenas!
Ora veja... Num repente
Como capricha o destino.
Deram nuns brejos de mato
Onde a boiada amoitava
Nas horas bradas de sol.
Houve um berro e um estalo
Na ânsia do pega pega...
Joca Ruivo viu - num alce
Quando se abriu a macega
Formando um quadro medonho
Onde o bizarro campeiro
Parecia miniatura
Diante da pavorosa estatura
De um touro brabo escarvando!
E o ruivo – calmo – sem medo
De laço pronto – um brinquedo
Aquilo lê parecia
Ajeitando a montaria
Para melhor posição!
Quem diria – aquela calma
Em tão feia situação!
Arranca o touro – la fresca
O laço voou num prisco.
E a argola tirou corisco
Nas aspas do boi pastoril !
E ai que foi um pavor!
O bicho voltou num upa
Tracando os chifres de ponta
Nos encontros do cavalo.
Houve um relincho – e um pialo
E o Ruivo se foi ao chão!
Touro e campeiro se olharam
Por um momento apenas!
Bufou a fera... e se veio
E o Ruivo – subiu no ar!
A prata das nazarenas,
Brilharam de encontro ao sol!
Naquele quadro de morte
Nem um grito – nem um ai.
Quando um gaúcho se vai,
O pampa inteiro estremece!
De bruços na campa enorme
Por certo morreu feliz.
Pois era o sonho do Joca
- Um dia... ser LAÇADOR.