ROMANCE DO BOLEADOR

Marco Pollo Giordani

 

Num domingo de mormaço

Lá na fazenda do passo

- Na cancha do velho Juca

Corria a égua Mutuca

Com o zaino do Bonifácio.

 

Indiada mal encarada

Se entrevera no jogo

E algum gaudério - no fogo,

Largava alguma piruada...

A cousa se complicava

Despôs...calmava de novo.

 

Trezentos metros de cancha

Numa fervura de gente!

E o sol de janeiro quente,

Coloriando a terra nua,

Multiplicava chiruas

Lindas delgadas vistosas,

De tranças negras - sedosas,

Tapando pares de peitos,

Boleando ancas com jeito

Daqueles de cortar prosa!

 

Dinheiro grosso rolava

No pano verde da grama.

Nos pelegos - nas badanas,

E até mesmo no chão puro!

Algum ventana - já duro,

Malacafento e safado,

Depois de tudo empenhado

Jogava até a própria china

Pois já lhe era a ranzina

Há muito um fardo pesado!!

 

Naquele fluques de gente

Chegou-se assim de carancho

Vindo de  “Deus - sabe donde”

Um índio alto-troncudo,

Cujo flete - macanudo,

Não passou despercebido!

 

Trazia sobre a garupa

Uma chininha morena

De arrancar nacos de olho!

 

Ah! Se era linda a pinguancha...

E sobre o meio da cancha

Boleou a perna - o estranho!

E depois... com muito esmero

De quem segura uma jóia,

Boleou da china - que rindo,

Postou-se ao lado do flete!

 

Pra quem mirava de longe...

Lhes digo - choveu cochichos:

...Mui bem servido o gaúcho!

 

E por saber que assim era,

O índio olhava de entono

Orgulhoso por ser dono

- De dois trastes de valor!

Não carregava armadura

Nenhuma faca - ou pistola

Mas em volta da cintura

Sobre o pardo da guaiaca,

Pendida em tranças bem feitas

Sobressaíam três pedras

Acolheradas - no mais!!

 

Nisso um grito de “abra a cancha”

E um murmúrio dos dois lados...

- O Zaino vinha puxado

Já a rumo do partidor!!

 

Deu-se aí que um tal de Bino

Meio gringo e castelhano,

Foi resvalando um tobiano

Pros lados da chinoquinha

Que chegara com o estranho!!

 

Há muito que o gringo tinha

Fama de maula e meloso,

Ordinário e perigoso

No tratar com china alheia!

 

Se era achegado - o maleva!

 

Encostou junto da prenda

Que bombeava de soslaio...

A peitarra do lacaio

Procurando sarna grossa!

 

Los diachos - que coisa feia!

 

O índio das boleadeiras

Sorro velho acostumado

A topar qualquer trançado

Viesse do lado que viesse,

Foi-se chegando...chegando,

co’a manicla - na mão!

 

E disse pro garanhão

- O tal Bino castelhano

Boleia a perna - paisano...

Fica melhor - cá no chão!!!

 

La fresca - o gringo não era

“De engolir sem mastigar”

num prisco - deu-se o bolear

peleou do ferro e se veio!

 

Se era achegado - o pavena!

Mas mui lindaça a morena...


Valia a pena tentar!!

 

escuitando...

 

E assim como dizia...

Se veio e já carregou

Num pontaço que passou

Soprando o imbigo do estranho!!

 

Mas amigo...se lhes conto

Eu de mirone - bem lembro

Quando a soguita zuniu

...E aquele bárbaro assobio

das bolas cortando o ar!!

 

Depois... o tombo...e o gringo,

Estatelado - pateando

No meio da polvadeira!

 

E o taura das boleadeiras...

Mais uma vez - carregou!

 

Ninguém do povo acudiu!

Defunteou - e sempre quieto,

Numa calma impressionante

Juntou co’a china e num upa

Montou no flete e partiu!

 

E o bino - morto - estirado

Lá sobre o meio da cancha,

Num arroio de sangüeira

Lá mesmo ficou plantado!

 

Nenhuma vela - uma reza,

Somente uma cruz pelada

Sem inscrição e sem flor!!

 

Tudo porque - certo dia,

Num domingo de carreira,

Se meteu à cavaleira

Com a china do Boleador!!