Marco
Pollo Giordani
Miragens de um sonho largo!
Há um borralhão no nascente
- meio de brasa e de cinza -
Há uma tristeza nos olhos
Da manhã que principia!
A cascata d’água – de torrentes lindas –
Onde me banhava,
São agora lágrimas que de mim desprendem!
Está vendo parceiro...
Ali sobre a lomba... os esteios de cernes,
Tão firmes ainda?
Pois era o galpão – minha casa de infância.
E tudo se foi...
E agora só resta – as cinzas revoltas – na terra
vermelha!
Parece mentira...
As cinzas... provindas de tantos angicos,
Relata o passado de histórias tão lindas
Contadas com calma por velhos tropeiros!
Eu sinto na alma o calor de teu fogo!
Era pequeno... tão cheio de sonhos...
Tu foste meu berço, minha mesa e escola,
Escola gaudéria de mestres campeiros.
Recordo...
E a peonada arisca dos meus pensamentos,
Boleiam a perna.
E trazem prá diante de mim, as tarcas do passado:
A mesa de truco, pros dias de chuva;
O catre de couro, forrado a pelego;
A velha chaleira... a caixa de erva...
Ervita tão buena...
A cuia morena... costeada a carinho
Por tantas mãos grandes... de muitos estranhos!
No gancho – os aperos,
Trançados de cordas.
Constante “Ô de casa” de muitos andejos,
Proscritos, gaudérios, sem rumo ou morada!
Teu fogo infinito de beijos calientes,
Um poncho, um presente
Pras noites de geadas!
O tosco cenário de contos e lendas,
De muitas pendengas, carreiras, fandangos,
E chinas levianas!
E todos contavam,
E todos falavam,
E eu escutava!
Recordo a sanfona, vaneras e tangos,
E um lenço chimango tremendo ao compasso
De um sapatiador!
Milongas, poesias, cantadas com gosto –
Relatos tão tristes de casos de amor.
E um dia contaram...
Que um velho chirú – cansado da vida –
Fez este pedido:
Me estendam no centro – na mesa de truco;
E quero nos cantos – bem junto aos esteios –
Tições fumaceando...
Que lembram em relance... as velas queimando!
E ainda pediu...
Que o poncho fizesse a vez de caixão;
E que lhe deixassem os olhos abertos
Como se quisesse enxergar bem de perto,
O luto crioulo de tantas fumaças
Do teto encardido do velho galpão!
O guasca morreu e todo fadário
Cumpriu-se no rito!
E agora galpão...
Só resta os recuerdos.
Só resta os esteios de cernes, fincados.
Num upa se foram, cambiaram-se os tauras,
O fogo apagou-se e com ele o calor.
Capins “mata-campos” cresceram em teu seio
No meio das cinzas – piquete de mágoas!
Cuê pucha...
Pois pode a terra tapar o teu quadro
E o mato atrevido – teu vulto lendário!
Pois tu me criaste – e eu continuo...
E enquanto eu viver,
Tu sempre hás de ver e sempre escutar:
Peonadas... tropeiros... e contos, e lendas,
Aqui no meu peito.
Aquele teu fogo é eterno...
Está aqui dentro de mim!
Bem aqui na veia grossa
Donde corre o sangue quente –
De quem já muito sofreu,
De quem já muito agüentou,
Corcovos do coração!
Bueno...
Deixo correr estas lágrimas...
Abro no mais a chaleira
E pego a cuia morena;
Aquela ervita tão buena,
E tu serás chimarrão!
Tu foste meu berço, minha mesa e escola...
Escola gaudéria de mestres campeiros!
Agora criado... meus sonhos findaram...
E eu choro a saudade e a falta de amor!