PROSA EM SOLO

Marco Antonio Dutra

 


A boieira já vai alto,

quando me afino pro catre

forrado, com pelegos brancos,

que desnudam o cavalete,

deixando as garras de amostra

com brilhos de prataria.

 

Viaja então o velhito

pelas quimeras do tempo,

agarrado nas clinas do vento

a ginetear emoções.

 

Abre as porteiras da mente e,

liberta profundas vivências;

no alarido das aves

e no ronco de velhos bugios...

vem campeando recuerdos

para a jornada final.

 

Então me paro a mirar a noite

e a prosear com a solidão.

Bombeio o devaneio dos grilos,

o brincar dos pirilampos,

as charlas vivas dos bichos

pelas frinchas do galpão.

 

O clarão do pai-de-fogo,

groseando o cerne de angico,

no rubor das labaredas,

me revelam os lamentos,

do seu fim, virado em cinza.

 

Me vem chegando mais vozes,

montado em pêlo, nas brisas

de uma noite de outono.

Por onde a D’alva trabalha

no lombo de um cerro em flores,

coberta pelos trevais

e as fechilhas  orvalhadas.

 

No costado das casas

o berro de uma brazina

como a chamar pela cria,

e na coxilha da frente

um touro mugia ao longe

como prenunciando ao rebanho

o toque de recolher.

 

O relincho de um potro

que escarceia campo a fora.

O bate-casco dos fletes

revelando os seus presságios,

ao nascer de um novo dia.

 

Chega também do açude

o canto terno das águas

melodiado pelos ventos

ao passar pelos juncais,

dedilhando acordes solenes

no bater dos aguapés.

 

Escucha los vientos pamperos

por los campos castellanos.

Van y vuelven por los puntos cruciales

sin recelos de invasores,

pues hablan el miesmo sotaque.

 

Bueno, companheira.

Bombeia quem veio para charla!...

 

A sinistra beleza de uma coruja

que fez morada no oitão

a chiriar suas faculdades

pois, aprendera com a noite,

as filosofias da vida.

 

Por isso minha parceira

temos tanto que dizer,

cambeando pra outro plano

sigo ao tranquito nos sonhos,

proseando solo, para renascer...