HOMBRE SIN LA IDENTIDAD
Marco Antônio Dutra
O sol se vinha a soslaio
sobre umas nuvens cinzentas.
E um forte vento do sul
a repontar na culatra
no horizonte do pago.
Parece me refugando,
as obscuras fumaças,
emprenhadas de aguaceiros.
Da porta do galpão tosco
sobre um banco de pelegos,
O tio Dóro avia o tempo,
para presságios futuros.
Entre um gole de pura
e uma pitada mais longa
vai mateando com seus jujos,
por riba de um Pai de Fogo.
As nuvens que se acolheram
pras bandas da Oriental
prometem geada preta
pras madrugadas vindouras.
Chega à noite na estância
e o galpão fica festivo.
É a peonada chegando
pra descansar os estribos,
e vestir os cavaletes
com bastos, corda e pelegos.
Pro ritual do mate amargo
se enrodilha junto ao fogo,
num santuário de paz,
alguns cachorros e a peonada
para umas prosas de chistes,
um pontear de guitarra que,
chama de quando em vez,
por uma voz solitária
de uma poesia campeira.
E o tio Dóro, já prevendo
muito frio na madrugada
Põe mais cambona no fogo
para o café de tição.
Pois esse homem campeiro
con seus oitenta janeiros
não tem mais força nos pulsos
pras recorridas de campos.
Por isso fica nas casas
lidando pelo galpão
e ensinando a gurizada
nos rituais desses fogões.
Desde menino na estância
acostumou-se a este chão
domou cavalos do patrão,
dos filhos e de um neto
da sinhazinha Suzana
a única filha mulher,
e uma égua flor de tordilha
para a Donana passear.
Contavam velhos campeiros,
conhecidos do lugar.
Que a muito viram falar
de um ginete mui quebra
do lado da Oriental.
Andou pelas Criollas
fazendo fama e plata
no lombo desses malinos,
Deixando por "lá
identidad"
por nome "José Herreras".
A fama corria solta
nos lados do Uruguai.
Mas numa noite de lua cheia
cruzou pra cá a fronteira,
por conta de uma paixão
e tendo o rio por testemunho,
amou, e se foi a lo largo.
Talvez por isso o tio Dóro
nunca conta a sua história.
Pois traz no fundo da alma
resquícios de abandonos,
de pais, Pátria e hermanos
pois, o deixaram solito,
pra ser moeda de jogo.