Eis o Homem
Marco
Aurélio Campos
Brotei
do ventre da Pampa
que é Pátria na minha Terra.
Sou resumo de uma guerra
que ainda tem importância.
E,
diante de tal circunstância,
Segui os clarins farroupilhas
E devorando coxilhas,
Me transformei em distância.
Sou do tipo que numa estrada
Só existe quando está só.
Sou muito de barro e pó.
Sou tapera, fui morada.
Sou a velha cruz falquejada
Num cerne de curunilha.
Sou raiz, sol farroupilha,
Renascendo estas manhãs,
Sou o grito dos tahas
Coejando sobre as coxilhas.
Caminho
como quem anda
Na direção de si mesmo.
E de tanto andar a esmo,
Fui de uma a outra banda,
E se a inspiração me comanda,
Da trilha logo me afasto
E até sementes de pasto
Replanto pelas vermelhas
Estradas velhas parelhas,
Ao repisar no meu rastro.
Sou
a alma cheia e tão longa,
Como os caminhos que voltam
Substituindo os espinhos
E a perda de alguns carinhos.
Velhos e antigos afrontes,
Surgiram muitos, aos montes,
Nesta minha vida aragana,
Destas andanças veterana,
De ir descampando horizontes.
Sou
a briga de touros
No gineceu do rodeio.
Improtério em tombo feio,
Quando o índio cai de estouro.
Sou o ruído que o couro faz,
Ao roçar no capim.
Sou o rin-tim-tim da espora
Em aço templado.
E trago o silêncio guardado,
Do pago dentro de mim.
Fazendo
vez de oratório,
Sou cacimba destampada,
De boca aberta, calada,
Como a espera do ofertório.
Como vigia em velório,
Que tem um jeito que é tão seu.
Tem muito de terra... é céu,
Que a gente sente ajoelhando,
De mãos postas levantando
O pago inteiro para Deus.
Sou
o sono do cusco amigo,
Dormindo sobre o borralho.
Sou vozerio do trabalho,
Na guerra ou na paz - sou perigo.
Sou lápide de jazigo
Perdido nalgum potreiro.
Sou manha de caborteiro,
Sou voz rouca de acordeona,
Cantando triste e chorona,
Um canto chão brasileiro.
Sou
a graxa da picanha
Na bexiga enfumaçada,
Sou cebo de rinhonada.
Me garantindo a façanha.
Sou voz de campanha,
Que nos lançantes se some.
Sou boi-ta-tá - lobisomem.
Sou a santa ignorância.
Sou o índio sem infância,
Que sem querer ficou homem.
Sou
Sepé Tiarajú,
Rio Uruguai, rio-mar azul,
Sou o cruzeiro do sul,
A luz guia do índio cru.
Sou galpão, charla, Sou chirú,
de magalhanicas viagens,
Andejei por mil paisagens,
Sem jamais sofrer sogaço.
Cresci juntando pedaços
De brasileiras coragens.
Sou
enfim, o sabiá que canta,
Alegre, embora sozinho.
Sou gemido do moinho,
Num tom triste que encanta.
Sou pó que se levanta,
Sou raiz, sou sangue, sou verso.
Sou maior que a história grega.
Eu sou Gaúcho, e me chega
P'rá ser feliz no universo.