O VAZIO DA AUSÊNCIA

Mano Terra

 

Hoje a tristeza pealou-me

e a dor está dentro do peito.

O luto se impõe por respeito

e como um ritual entre os homens.

Peço a Jesus, santo nome,

e  asua mãe, Nossa Senhora,

que me amparem nessa hora.

Preciso reunir coragem

pra enfrentar essa passagem

até que essa dor vá-se embora.

 

Perdi um pedaço de mim

num forte golpeio da morte.

Fiquei quase sem suporte

diante da hora do fim.

Perder quem se ama, assim,

no más, mui de repente,

desmancha por dentro a gente,

arrancando as fibras da alma.

Contrariado, perco a calma,

não consigo aceitar, simplesmente.

 

A morte é a senhora Maldade,

que chega sempre ao disfarce

e não se contenta em fartar-se

na mais feroz crueldade.

Deixa viuvez e orfandade

quando passa e sacrifica.

Não argumenta, não se explica,

vai logo fazendo o aparte

Deixa um vazio quando parte

e nem liga pra quem fica.

 

Dói muito esta dor supradita.

O coração despedaça.

Em nada mais acha graça

aquele que a morte visita.

Parece uma sina maldita

chorar a perda de alguém.

Não há neste mundo, ninguém

que se escape dessa hora:

por pai, irmão, filho ou nora,

acaba chorando também.

 

Esse pedaço de pano

negro como a noite mais escura,

é sinal de desventura

pra quem, no seu cotidiano,

já perdeu um ser humano.

O preto é ausência da cor,

sinal de recolhimento e dor.

É o pesar do extremo tributo

que a morte cobra com o luto

na conta corrente do amor.

 

Eu já perdi um punhado

dos meus entes mais queridos..

O meu peito está ferido,

o coração despedaçado

e o cazio sempre ampliado.

Foi-se embora para o além-mundo

gente de valor mui profundo

na seara da fé e da cultura.

Enfeitou-se a sepultura,

ficou mais pobre este mundo.

 

Foram muitos os viajores,

uns do sangue e outros não.

Foi-se o pai, a mãe, o irmão,

os amigos, poetas, cantores,

mestres e professores...

É verdade, outros chegaram

e pouco a pouco ocuparam

em parte o espaço vazio.

Mas, a dor tem efeito tardio

e as penas até se agrandaram.

 

Nesses tempos mais recentes,

a lista ficou maior.

E a gente sabe de cor

todos os nomes dos ausentes.

O Honeide, certamente,

o Boca, o Rillo, o Cenair,

também o Noel Guarani,

o Passarinho e a passarada,

o Jayme Caetano, a payada,

e outros que não esqueci.

 

O Bertussi foi na frente

e levou a gaita na presilha.

O cancioneiro das coxilhas

ficou no ouvido da gente

como alvorada permanente

do verso com alma brava

e um ronco de mamangava

tirando touro do mato.

Enquanto o pago maragato

pra vigília se aprontava.

 

A guitarra ao desatino

borda um canto-choro de rio.

Ainda se ouve o assobio

na boca de algum menino

pra que o vazio do destino

não seja tão fundo, quiçá.

E a voz do Cenair Maicá

parou no meio do verso.

Uma bugra reza o terço

enquanto canta um sabiá.

 

O Marco Aurélio, apressado,

se calou antes da hora.

Sem avisar, foi-se embora,

nem mesmo deixou recado.

Não tinha motivo, o danado,

pra partir antes do dia.

A guitarra em agonia

registra ainda o seu verso.

Pra ser feliz no universo,

ele fez a travessia.

 

O Rillo, também de repente,

disse adeus e se mandou.

Parece que se mudou

e não disse nada pra gente.

O céu recebeu um presente,

ganhou importância o bolicho.

O vazio que deixa Apparício,

é a dor da eterna saudade.

Que as asas da eternidade

conduzam esse bom patrício.

 

O Noel Guarany ensaiou,

repetiu, resistiu,

ficou até que o pavio

da lamparina acabou.

Mas, nem assim aliviou

a dor que fere na marra.

As milongas e a algazarra,

pararam em rito silente.

Foi-se o índio e a vertente,

o payador, o campo, a guitarra.

 

Outro que teve pressa

foi o César Passarinho.

Deixou a meio caminho,

uma canção e uma promessa.

O negro interrompe a peça

na gaita que o pai deixou.

O guri, de tristeza chorou.

Ficaram milongas, bugios...

Que também não tapam o vazio

que a sua partida cavou.

 

Assim, no mas, mui temprano,

foi-se o outro missioneiro,

versejador galponeiro

e payador, Jayme Caetano.

Até o vento minuano

chorou em lamento dolente.

Acende-se a estrela do poente

com nome, com luz e alvor.

É o Caetano Braun, payador,

que agora brilha pra sempre.

 

Também o Leopoldo Rassier

bateu na marca e se foi.

Fica o mugido do boi

e os gritos de oigaletê.

Jamais saberemos por quê,

por que saberemos jamais

vão-se aos poucos os imortais.

Na lista das perdas imensas

a morte se faz extensa

e a cada pouco cresce mais.

 

Payadas, canções, sapucais

ficam gravados nas mentes.

As cachoeiras e as vestentes.

As lagoas, os mananciais.

Os ecos dos madrigais

e os caminhos tracejados,

serão luzes e raiados,

rastreando clarões e orientes.

E as gerações descendentes

têm um tesouro guardado.

 

O cemitério, ao meu juízo,

parece mais enfeitado.

Mas, o que está engalanado

com certeza é o paraíso.

E eles, lá, de sobre-aviso

alumbram a rosa-dos-ventos.

E todos nós com sentimento,

rezamos por nossos ídolos.

E reforçando esses símbolos,

fica este verso em lamento.

 

Que o céu seja o paradeiro,

de todos por recompensa.

Por seu exemplo e presença,

o nosso respeito primeiro.

São Pedro, virtuoso posteiro,

das estâncias do outro lado

já pode fazer o preparado

p'ras tertúlias celestinas,

em noites de rimas divinas

com seus novos convidados.

 

Enquanto não chega o meu dia

de partir pro outro lado,

pra juntar-me ao convidados

dessa eterna Sesmaria,

quero ter a serventia

de, ao menos, poder trovar.

E na minha trova, rezar

por todos meus entes queridos

que um dia tenham partido

na frente pra me esperar.

 

Eu não sei quando me vou,

pois não tem hora marcada.

Quero a alma transbor dada

pelas riquezas do amor.

Fortuna que o Deus Criador

reservou a todos mortais

(e são tantos seus sinais):

SÓ SE LEVA QUANDO PARTE,

AQUILO QUE SE REPARTE

E QUE, AO REPARTIR, CRESCE MAIS!