PRETA VELHA - SIÀ MARIA

Luis Menezes

 

E mataram Clarimundo!

Foi a notícia na venda.

Como notícia se emenda

A aldeia ficou sabendo.

Um piazinho entrou correndo

No rancho de sià Maria

Preta velha – que ironia!

Muito querida no pago,

Era a mãe desse índio-vago

Que no corredor morria...

 

Com voz presa na garganta

Falou o piá a muito custo,

Tinha no olhar o susto

De ver o irmão caído...

Que lhe importava o bandido

No dizer de todo mundo?

Pra ele era o Clarimundo!

Seu irmão mais velho e pai

Que morria sem um ai!

Lá na invernada do fundo.

 

Mas pras preta sià Maria

Não precisou que dissesse

Porque toda mãe conhece

De cada filho o destino...

A mãe tem o Dom Divino

De anteceder a notícia

Clarimundo e a polícia

Se encontraram um dia,

Por isso ela já sentia

Toda angústia do menino.

 

Depois com o surrado manto

Lhe cobrindo a carapinha,

Enveredou pra estradinha

Que tantas vezes cruzará.

A dor lhe sulcava a cara

Em saudade gotejando

Que ela sentia chorando

Por alguém que muito amara.

 

Foi atravessando a aldeia

Com mil lembranças na mente

Vendo a maldade da gente

Nas expressões mais ousadas...

Passou por muitas armadas

Sem receber um consolo

Quando um borracho, mui tolo,

Dominando pela tamanha:

Bem feito pr’esse crioulo.

 

Esqueceram sià Maria

Preta velha benzedeira

Que sempre fora a primeira

Chegar num rancho em apuro...

Que só tinha o rosto escuro

Porém a alma branquinha,

Branca como a carapinha

Que lhe contrastava o rosto

Franzido pelo desgosto

Da própria vida que tinha.

 

Não lhe perdoaram jamais

Seu pobre filho maleva

Que penetrava na treva

Invernada do gaudério...

Ele que já fora um sério,

E que morrendo dormia

Prás ingratidões do mundo.

Por ser mãe de Clarimundo

Não perdoaram sià Maria.

 

E lá se foi preta velha

Guiada pelo Senhor

O único que na dor

Nunca  nos deixa solito...

Por isso Patrão Benedito

Eu rezo de quando em quando,

Se estiver no céu chorando

Minha mãe por meus pecados

Sei que estarás do seu lado

Sua lágrima apagando.