PEONA
Luiz Menezes
Cidinha fez sete anos
Sem festa, presente, nada...
A data só foi lembrada
Na folhinha da parede,
Que mostrava uma boneca
Que ela sonhava comprar.
O pai andava tropeando
Ou talvez contrabandeando;
Contrabando na fronteira
Embora “brabo” é profissão.
Cidinha fez sete anos
Sem festa, presente, nada...
De manhã muito cedinho
Quando o sol bandeou a
janela,
Ganhou apenas carinho
Na benção que a mãe lhe deu.
O rancho de pau-a-pique
Bem limpinho, chão batido
Vivia o louco gemido
Dos que a dor sabem esconder.
Somente a alma bonita
Da menina sem boneca,
Brincava de aniversário
Nesta festa sem ninguém...
Cidinha fez sete anos
Sem festa, presente, nada...
O dia passou correndo
A noite chegou depressa,
E com a noite a promessa
De um lindo e novo amanhã.
Talvez o pai se lembrasse
De lhe trazer um presente?
Mas o pai que andava ausente
Chegou e...”buenas” no más.
Dos padrinhos? Pobre gente!
Para o batizado em casa
Quase sempre são parentes
Ou vizinhos mais chegados.
Na igreja custa dinheiro;
Em casa uma vela basta
Pra reza meio cantada
Que nem decorada está.
Como esperar a menina
Que lhe trouxesse presente,
Gente sem fé na esperança
Sem hoje, sem amanhã?
Cidinha fez sete anos
Sem festa, presente, nada...
Foi bem cedo para o catre,
Se cobriu com o poncho velho
- cobertor des’que
nascera
e rezou para dormir.
Sonhou com o Patrão Celeste
Junto do catre, bem rente
Que lhe trazia um presente
Todo envolto de luar.
Sim era aquela boneca
Com um sorriso sapeca,
Que saíra da folhinha
E viera em sonho lhe abraçar.
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Cidinha fez sete anos
E aí parou de contar...
Sem escola, sem boneca
Sabe Deus onde andará?
Talvez de peona em estância
Dormindo em muitos pelegos...
Amargo preço do emprego
Dos que não tem profissão.