FOGUETEIRO
Luiz Menezes
Mas oigate vida “braba”!
Que profissão desgraçada...
Era um forte e, no entanto
Vivia a margem da sorte.
Pois nos bolichos da aldeia
Ninguém bebia em seu copo,
Ninguém lhe dava um “saludo”,
Ninguém lhe ofertava um trago
E ninguém lhe oferecia
Uma palavra sequer.
Ninguém andava ao seu lado
Ninguém entrava em seu rancho
E nunca em sua vida amarga
Alguém lhe chamou de amigo...
Mas oigate vida “braba”!
Que profissão desgraçada...
Trabalho, choro e silêncio
Nesta vida amaldiçoada,
Era apenas o que ouvia...
O chamavam “Fogueteiro”
E de “coveiro” também.
Num trabalho repetido
Abrindo e fechando covas
O fogueteiro era um morto
Igual aos que sepultava...
Por isso em sua vida amarga
Nunca tivera um amigo.
Numa noite, fria, escura
Como a sua solidão,
Pressentiu algo de estranho
Rondando seu rancho tosco...
Até que ouviu um barulho
De cascos
E
Num murmurante – “Ó de casa”...
Pulou do catre num upa
E colou o ouvido na porta
E na escuridão do rancho
Com a adaga desembainhada,
Esperou a voz outra vez...
Houve um espaço de tempo
Até que a voz novamente,
Agora um pouco mais clara,
Sussurrou no “Ó de casa”
E completou: - “Meu amigo,
Eu venho meio ferido
E uma patrulha me segue...”
“Amigo? – pensou o coveiro...
Se eu nunca tive um amigo.”
Mesmo assim destravou a porta
E pulou para o terreiro
- Apeie no mas, parceiro
que eu escondo seu cavalo...
- Gracias, amigo, e desculpe
Talvez lhe traga a desgraça...
Mas recebi um balaço
E está sangrando demais.
Quem diria, num segundo,
Fogueteiro e forasteiro
- Amigos desconhecidos -
Abraçados no socorro...
Entraram, e sobre uns pelegos
Deitou o ferido de lado
Para que o sangue estancasse
E com um poncho lhe tapou...
Levou o cavalo pra o mato
E voltou pedindo a “bugra”
Que esquentasse a cambona
Com uma erva qualquer
A bugra era a sua mulher,
Que nem ao menos falava,
Só sabia obedecer...
Quase a porta veio abaixo
Com as batidas de um milico...
-“Che Fogueteiro, te acorda!
-“To acordado, patrão!”
-“Por acaso não ouviste
alguém passar em disparada
no rumo do Arroio Vau?”
-“Por certo que não, patrão,
e se ouvi nem me dei conta
são tantos os contrabandistas
que vivem atalhando aqui...”
-“Bueno, mas abre teu olho
que o índio é mui perigoso.”
e gritando para os outros:
-“Bamo simbora, pessoal,
que o bandido se escapou...”
A noite ainda ia alta
Quando o proscrito se foi,
Não sem antes abraçar
Seu estranho benfeitor...
-Até a volta, meu amigo!
Talvez um dia apareça
Pra lhe agradecer melhor.
Gracias, gracias, amigo!
Repetiu por muitas vezes
E se foi como chegou
Sem dizer pra onde ia.
Talvez, quem sabe, queria
Morrer bem longe dali...
O Fogueteiro ficou
Pitando, olhando a distância
Com algo assim mui estranho
Lhe cutucando a consciência:
Será que não fora um “maula”
Abandonar um ferido
Solito num corredor?
Que importa se era um bandido...
Ele bebera em seu copo
Deitara nos seus pelegos
Debaixo daquele teto
Coberto de Santa-fé
E lhe chamara de amigo
No abraço e no adeus...
Se encaminhou ao potreiro
Em busca do malacara.
Encilhou, ao tão depressa
Porém com muito cuidado;
Botou a adaga entre os pelegos
E sem dizer onde ia
Falou pra bugra:
“Já volto”,
E se foi seguindo o rastro
Que o forasteiro deixou...
Houve um clarão na distância
Do tiroteio cruzado.
Depois um baita silêncio
Desses que anunciam a morte...
Foram encontrados dois corpos
No corredor da tapera:
De um sabiam quem era
O outro? Desconhecido.
Sim era o Fogueteiro,
Ao lado do seu parceiro,
Único companheiro
Que lhe chamara de amigo.