UM SALMO À CRUZ DA SAUDADE
Luís Lopes de Souza
O vento sola milongas
Em monótonos rituais
Num salmodiar
aos que passam
No rumo do nunca mais
A querência despertava
Da sensação de abandono
Com o clarim do relincho
De um tostado malacara
Confidente de seu dono
No fascínio centenário
Por Taquapí
e Porongo
Um velhito
tapejara
Alquebrado no umbral
Fazia a estática ronda
No além da estrada real
Rangendo bruacas, passavam birivas
Cor neutra nos lenços,
chapéus desabados
Na rota longínqua de idas
tropeadas
Na escolta da perna um facão
de dois palmos
Templando nas forjas da Grã-Sorocaba
Por certo um cargueiro levava
saudade
Mesclado ao tangido de um
férreo versejo
Que a égua madrinha tirava
insistente
Da pauta andarenga
de um velho cincerro
No arqueado das juntas,
passavam carretas
Gemendo cambotas em rude
charanga
Regeira sovada de orelha e canzil
Sulcando uma mossa na curva
da canga
E por sobrecarga levavam
saudades
Nos bojos dormidos de fartos
surrões
No eco do grito do audaz
carreteiro
E no agudo lamento dos eixos
chorões
Mas... entre
os tantos que passaram
Com nômade anseio de achar
outro rumo
O tempo também passou
Com vigor varonil e arcaicas
razões
Zombando arrogueiro
descambou à distância
Com épica ânsia de vãs
mutações
Hoje
Do velhito
tapejara
Alquebrado no umbral
Passam tropas de saudades
No além da estrada real
Num tapume derruindo
Onde fora o quintalejo
Resta uma cruz já caindo
No anonimato das eras
Num bamburral
de daninhas
Que medram pela Tapera
Na inerte silhueta
Que mistifica a cruz
Há o perfil de um tapejara
De braços escancarados
Pra romanesca querência
Como implorando aos andantes
Um tapear de abas, um
responso,
Ou um salmo improvisado
Na mais tosca reverência
O Vento sola milongas
Em monótonos rituais
Num salmodiar
aos que passam
Num rumo do nunca mais
Um tostado malacara
Grameia perto da cruz
Clinudo, lerdo, estropiado
Marasmando as invernias
Já sem forças para o entorno
Resta o clarim do relincho
Como um másculo soluço
Por saudade de seu dono!