SOBEJOS DE UM ANDARENGO
Luis Lopes de Souza
Seu peito também tapera...
Sua alma também ruína...
Da estância, vagos sobejos
Na palidez da retina...
Do rancho, o último esteio
Perdido a favor do vento,
Qual um guardião alquebrado
Rondando a fúria do tempo...
Na quinta que foi jardim,
Horto de esmero capricho,
Se
lastravam urtigas,
Guanchumas e carrapichos.
A roseira já morrente
Com seu mister
de mimosa.
Ofertava aos algozes
A sua última rosa...
A erva de passarinho
Parasitou o seu trono,
Na copada centenária
Do avoengo
cinamomo...
Na lagoa da canhada,
Uma garça cismarenta
Reflete suas mágoas
Se espalhando ao revés...
Por onde as lerdas traíras
Desconhecendo anzóis
Brincavam com aguapés...
A tranqueira de coronilha
E as pedras da cercania,
Na longa saga da espera,
Já peleavam
vacilantes
Contra a intempéri9e das
eras...
Os entes queridos...
Sim, estavam todos ali...
Numa campa decadente
Desprovida de vigília,
Adornada pelo pasto
E flores de maçanilha...
Foi por ela que partiu...
Um dia já sem ninguém
Saiu a esmo, errante...
Mas o tempo que é mutante,
Sulcou vergas em seu rosto
E jogou neve de agosto
Em sua melena de andante...
Por isso hoje voltou...
Voltou pra entregar ao pago
Seu corpo judiado e só,
Queria morrer ali...
Pelo seu chão diluído
Em leiva, terra e pó...
Nessa noite morreria,
certamente...
A tapera se fez silente
Na ressonância escura,
O grito do urutau
Forjou ecos na lonjura,
Preludiando a despedida
Num dueto de amargura...
E começou a morrer,
lentamente...
Com a sombra madrugueira,
Com o lufar
do sereno,
Com o piscar da boieira...
Morria feliz por estar ali!
Olhando o céu da querência...
Onde a lua tristemente
Chorava orvalho dourado
Entre as brumas do poente...
E morreu...
Quando já amanhecia
E, no vazio se ouvia
O arpejo manso do vento,
O lume grande da aurora
Mangueava a última estrela
No ermo do firmamento...
Sequer um berro de touro...
Sequer um tropel de potro
Sequeer marulho de arreio...
...só silêncio na tapera...