LOBISOMEM

Luís Lopes de Souza

 

Já faz tempo, muito tempo...

Visto com certo malgrado

enterrei velhos ressábios

nos longes deste lugar,

no fundo desse mistério

se resumia um gaudério

cansado de andar.

 

Era o refúgio pra um taura

com carência de sossego.

Acostumei com o tempo

no vazio do isolamento

ruminando meus segredos...

 

Mas em noites claras não durmo...

Saio pra o campo sem rumo

zombando da solidão,

e nem sei por qual razão

passo horas em vigília,

cantando pra lua cheia

no alto da coxilha.

 

O povo cheio de crença

mal disse” pela querência

o meu modo de viver,

se alastrou pelas fazendas

relatos, boatos e lendas

a respeito do meu ser.

 

São histórias fantasiosas

que causam medo e espanto...

Dizem que almas penadas

saem rondando as canhadas

nas madrugadas que canto.

 

Minha fama é maldizente!

desse conceito sinistro

me veio a fama de bicho

que se disfarça de gente.

 

-No meu rancho ninguém chega-

Numa pressa improvisada

cruzam além da porteira

sem aceno nem mirada...

Os potros de minha doma

não querem nem de regalo,

... magoado pelas desfeitas

larguei pra o campo os cavalos.

 

-Comigo ninguém mateia-

Ariscos e desconfiados

nem vago pede pousada

ou apeia pra um amargo...

Na cisma de mau agouro

recusam meu chimarrão,

e de soslaio se esquivam

de meu aperto de mão.

 

... por total indiferença

aos princípios de um campeiro,

meu gado virou refugo

nem paro mais rodeio,

Tudo oque tem minha marca

dizem ser amaldiçoado.

... sou referência de assombro

no misticismo do pago.

 

Talvez seja esta melena

surrada de vento norte,

ou a barba de dois palmos

que justifica o meu porte...

Talvez seja a estampa rude

num perfil desaprumado,

ou estas pernas cambotas

por culpa dos aporreados.

 

Dizem que meus olhos brilham

qual uma tocha de fogo

e que nas “Sextas” de lua

ouvem ganidos de um lobo...

Dizem que os cuscos do pago

passam a noite uivando

quando me ouvem cantando

com soluços de urutago.

 

Que preconceito maldito!

O povo me fez proscrito

por insensata razão...

É clara a velha tendência:

“Quem julga pela aparência

não enxerga o lado bom.”

... sou visto por mau pressago

porque vivo sólito

cantando por puro instinto

versos bonitos que trago...

 

Mas, já nem me importo com isso,

se sou visto como gente

ou sou visto como bicho.

... se vou morrer com o fado

de assombrar o próprio pago

pois que seja por capricho

numa noite de vigília...

-talvez numa sexta-feira-

cantando pra lua cheia

no alto da coxilha!!