ARGUMENTO FINAL...
Luis
Lopes de Sousa
O tempo carrasco me
condena...
Mas os fogos do delírio não
me cingem
e os fantasmas do adeus não me assombram...
Nada, nada impede ao chegar a
hora...
Quando a mão fria da
realidade
esmaga a esperança vaga de não se ter um fim...
Encaro tudo sem vacilar nem
tremer
ainda afoito e com vontade de viver...
Porém, não basta ter alma jovem
quando a matéria fenece...
- Mas quando um homem chega
ao fim
quer saber qual foi a razão de sua existência...
Se houve um sentido concreto
em viver...
Pois são lindeiros
os defeitos e as virtudes,
legítimos gens hereditários
que nos eternizam por boenos,
ou por rudes...
Afirmam... (só por argumento
talvez),
que estamos sempre morrendo e renascendo,
que somos manipulados pelo Criador,
como a planta frágil que murcha e seca
mas de fértil semente no solo dormida
renasce viçosa e volta a florir...
O fraco e indefeso homem
também,
vinga, se multiplica e por fim se dissolve,
mas reencarna criança na seqüência por vir...
Fui cauteloso e rígido comigo
mesmo...
Protetor e preocupado com
meus descendentes...
Segui fielmente todas as
fases da vida,
(falta uma
portanto, a última...)
e apesar do conflito interior
eu sabia certamente que um dia
despacito chegaria
até aqui...
Eu que suportei firme os manotaços,
corcovos, tombos e nagaças
do mundo indomável e arisco...
Eu que tive no peito tropéis
de
baguais, bufos de torenas em franco
duelo, o furor da tropa lançante
a baixo
e a ira insana de minha própria rebeldia!
Hoje, inofensivo, casmurro e
lerdo,
na caducidade inocente mas lúcida
de quem profetiza a própria partida...
Eu que esbanjei férreos e
ágeis músculos
e que fui lenho e cerno
humanizado,
taura de quarteadas, peludeios,
balcões errantes e entreveiros...
Hoje, melena num tom de paz,
mãos trêmulas, pernas trôpegas,
voz tarda sem comando nem atenção...
E sem falar no judiado
semblante
de sorriso ausente
e no olhar vazio e brando escasso de matizes...
Aos que ficam,
os chamados entes queridos,
deixo além dos magros e mínimos bens materiais,
meu nome, minha semente, minha honra
e minha história...
Deixo também, se
pacientemente aceitarem,
Os anseios e os sonhos não
realizados...
Verdade... não
basta ter alma jovem
quando a matéria fenece...
Morrer é uma lei real da
natureza:
Nos primeiros dias
tristeza...
Após alguns meses saudade...
Depois de alguns anos
esquecimento...
- A vida é assim... a morte também...
Sim... o
tempo carrasco me condena...
Mas os fogos do delírio não
me cingem
e os fantasmas do adeus não me assombram...
O fulgor do meu horizonte
empalidece,
consciente e sem mágoa aguardo a partida,
pra que eu vá descobrir nos mistérios da morte
os verdadeiros fundamentos da vida...