SOMBRA E LUZ DO QUE SOU-RIO GRANDE
Loresoni Barbosa
Trago taperas no interior da
alma
com fúnebres silêncios nos
arredores,
a vida exilou-se com seus
moradores,
prenderam os pássaros, suas
sinfonias,
tristes margaridas enfeitam
os dias
e enlutados pairam os
beija-flôres.
Também habitam minhas míseras
posses
escalavradas pela insensatez
do homem,
descuidadas ruínas de
figueiras velhas
sombras e sestas – no calor
das tardes –
são quase memórias para mim –
tão jovem-
já desnudado por mãos tão
covardes.
Sobre o que fui, imensidão de
campos
despilcharam aços pra furor
da guerra,
o sangue verteu das veias –
tão torpe!-
Que senti o sopro da morte
com gosto de fel,
absorvi com vergonha a
carniça dos filhos
e me fiz mortalha para os
maltrapilhos
que só tinham o dia, a noite
e o céu.
Sim, recorreram-me
incessantemente
pelos séculos que se
passaram,
ora lusos contra castelhanos
ora ambos a eximir hermanos,
já batizados pelas reduções
mas que não tinham em seus
corações
a dureza das pedras que outrora
empilharam.
Nem por isso me cantem com
tristezas apenas,
pois o que fui ficou na
história,
no grito bem audível do
charrua
desgarroteando alçados para
os imigrantes,
na covardia austera dos
bandeirantes
estorquindo inocência e
telurismo
no estrondo da América que
nascia.
O amargo e a pureza do
porongo guarany
que harmonizava a prosa dos
justos;
Hoje recorrem inocentes mãos,
a esmolar as sobras dos ricos
de penas
que trazem pobrezas no vazio
das almas,
infundados sonhos no interior
dos olhos,
e o frio de amargos invernos
blindando a dureza de seus
corações.
Quis ser apenas um
–liberdade-
fui preso, fui desdenhado,
fui vendido e fui comprado
por tratados -destratados-
no chá das quatro, além mar,
mas os meus donos de fato,
margeiam pelos asfaltos,
estorvam pelas calçadas,
imundam minha capital.
O tempo dissolve,
resolve tudo a seu modo;
E o homem louco dispara
sem ver que ele é quem passa,
se deita com a ganância
sonha ser Deus ou poeta
acorda e não rega as plantas.
Sigo a inspirar os poetas,
ser verso é bom afinal !
Se do que fui pouco resta
o esquecimento é fatal !...
Desfaço-me terra santa,
disfarço-me terra bruta,
declaro-me passível a teus
pés,
destilo-me suor da semente
vida
devolvo-me trigais e vinhas,
Dissolvo-me erosões e cinzas,
Devolvo-me horizonte ainda
Para tua contemplação...
Trago arranha-céus no
exterior da alma
com eloqüentes fantasmas em
seus arredores.
A vida distrai-se com seus
predadores,
compram-se sombras, suas
sinfonias,
há frias flores pra alegrar
os dias,
e ofuscados piscam os
vaga-lumes...
Mas eu, -Rio Grande-
renascerei aos poucos,
quero ser eterno -anfitrião
gigante-
pois sobram gaúchos nos
fundões da pampa,
versos na pena de um velho
poeta,
e uma cantiga ecoando nas
taperas
que até parece que é Sepé
quem canta !...