"REGALO"À SEU ZÉ DAS LAVRAS

                                                                       Loresoni Barbosa

 

Vi um perfil de centauro

cruzando as vãs pradarias,

pelo fulgor das tragadas

sonhos eram malas pra ida,

pelo tordilho a cabresto

a indiferença pros dias

e nas botas garroneiras

indagações d 'outros pêlos.

 

Quem ganha a vida c'oas rédeas,

tem nos bocais seu destino!

Talvez por isso, o teatino

repontou o sol e se foi,

a campear n'outros  baguais

pouso pro basto orelhano...

 

- Dia desses, lá na estância,

quando a boieira embretava

a aurora e seus alaridos,

seu Zé puxava um tordilho

contra o palanque da frente.

 

Melena, aparada de golpe

sob o sombreiro tapeado,

o barbicacho entre as rugas

- herança d'outros invernos -

e os braços qual cerne "bueno"

passeavam no lombo duro

do bagual ensimesmado...

 

Depois, de bem aprumados,

vi um perfil de gigante

desenhando no horizonte

claves de sol com corcovos.

 

O coração do ginete batia

no contrapasso dos cascos,

o coração do bagual

no ritmar das esporas...

- Qual dos dois foi mais pachola?

- Qual dos dois???

 

As rédeas vergando o braço

o rebenque alucinado,

olhar atento às orelhas

focinho apartando o pasto,

adiante, um sol de setembro,

flores disformes no rastro.

- Bufos e gritos, são prosa

 na rudez desse dialeto...

Quando o sol enfurnou-se

na mansidão do poente,

vi o centauro sumir-se

na retidão do alambrado.

 

O que procurava seu Zé?

O que o fazia prosseguir?

Calado, conformado

fazendo dos sonhos pobres

bons motivos pra viver.

 

Ecoou ausência nas tropas,

nos prados, pelos bolichos...

- Saudade pra quem fica,

esperança pra quem vai

amiudando a distância,

sufocando as ganas potras

c'oa poeira d'outro lugar.

 

Passaram-se as datas,

também enfrenei meus potros.

Chegaram meus sonhos,

então ganhei meus caminhos...

 

Em cada estrada que andei,

lembranças e mais lembranças,

na rigidez dos moirões,

na serventia dos fletes,

nas romarias de gado,

em cada paisagem viva

vivia seu Zé das lavras...

 

- Quem leva um sonho a cabresto

pleiteando changas pra lida,

merece enfrenar a paz

sem esporear ideais

sem palanquear a vida...

 

Dia desses, noutra estância,

quando a sombra espreguiçava

a palidez da mangueira,

cheguei, embretando a tarde,

buscando o calor de um mate

pra mitigar minha alma

sedenta por ser andante,

ressequida por silêncios.

 

Quando entrei no galpão,

vi a silhueta de um monge

recostado num porongo

na calmaria dos dias...

- Senti uma taipa na goela!...

e a voz embargou pra um "buenas".

 

Melena, aparada de golpe,

olhar sereno de outrora

e, na calidez do adelante

a independência da estrada.

 

Seu Zé, venceu os caminhos,

o tempo, os sonhos, no cio.

Achou o amor que faltava

pra alumbrar a madrugada

do seu coração vazio,

a prenda enfeitou seu rancho

e um sorriso de anjo

lhes foi presente de Deus.

 

Não mais a falta de afago

não mais o sono na encilha,

lhe sobra , agora, ternura

no aconchego da família,

e a esperança de um dia

ser um centauro de luz,

cabresteando potros alados

além da estrada real...