ESTIAGEM

Loresoni Barbosa

 

 


Nessa miséria campeira

já não dou graças a Deus,

maldigo as nuvens covardes

que vem no final das tardes

sombrear meus sonhos ateus.

 

A seca inundou meus olhos

ancorou a solidão,

e o sal que seca no rosto

não dá pra encher o cocho

que alheio enfeita o verão.

 

Troquei as contas da talha

pelas contas do rosário,

parece que nada adianta

pois quando o sol se levanta

trás lanças dentro dos olhos.

 

Arrendei os pensamentos

de incandescer madrugadas,

pois não me adiantam

lembranças,

se o braseiro anda de luta

cambonas ficam caladas!...

 

Até alguns vícios miúdos

que ousavam me carregar

deixaram da minha carcaça,

o fumo, a erva a cachaça,

são luxos que aqui no pago

só tem quem pode pagar.

 

Sim, impassível  à miséria

se a estiagem se alonga,

invade o corpo e a alma,

simpatiza com a loucura,

não manda notícias boas,

nem paga conta na venda.

 

Há um sol a secar o pranto

e salgar minha solidão,

e uma saudade eloqüente

judiando um sonho inocente

charqueando meu coração.

 

Me retiro a orfandade

que assola até meu cavalo,

pois nossa mãe natureza

nos serve o cocho e a mesa

com a seiva da tristeza

e um vazio destemperado.

 

Ah!... Senhor Deus, meu Pastor!

Decerto  o povo do sul,

igual ao irmão do norte

dividem a mesma sorte

nos terços e ladainhas.

 

Mas temos tão pouca fé

- para Vosso entendimento

que às vezes penso que o vento

- por não saber de rosários

me rouba preces e hinários

destoando canções que invento.

 

Senhor dos céus e dos campos

pastor de meus ancestrais,

arrebanhai estas nuvens

para inundar os açudes,

e saciar meus baguais.

 

Pois me parecem insanas

estas nuvens desgarradas

que escravizaram meus olhos

e esvaziaram os sonhos,

pintando ausências no céu.

 

Eterno pintor da vida!

Tendes poder de perdão.

Abri vosso coração

agitai a ventania

recolhei tuas preces de volta

devolvei minha alegria,

pois tenho a alma de luto,

e a fartura que me sobra

é a prole amparando sonhos

e a tulha quase vazia.