Loresoni
Barbosa
Uma legião de centauros
mete a cara na fronteira
zombando a sorte dos ventos,
pelo perfil da coluna
paleteando negros ponchos
varando a pampa gelada,
parecia que a mão de Deus
confortava a alma dos seus
velando Pátria na geada.
Vinham da banda oriental,
onde por tempo estiveram,
curando rombos de ferros,
cuidando as almas feridas,
golpeadas pelas mentiras
de heróis que faziam guerra,
sem nunca sentir na carne
o frio da lança que arde
quando uma carga atropela.
As paisagens destorcidas
pelo luar quase um dia
ludibriavam os olhos
dos que traziam na mente
a ilusão de uma sonho antigo,
poder rever uma parceiro
usando um distinto lenço,
sem ter que pagar o preço
de só poder abraçá-lo
quando já morto estivesse.
Quando os lançaços do sol
sangram a paz das sangas
e reluziram clarins,
os rios de águas tão claras
pratearam lágrimas rubras,
tingidas por outros párias
que tombaram nas batalhas
pra honrar eternas medalhas
na goma dos coronéis.
- A quietude espanta as preces
quando o ar mórbido cresce
de um campo-santo ao relento,
dói a alma do mais taura!
ver homens e animais
sobrepostos pelo chão,
insepultos, indigentes
uns pra dar bóia às tropas,
outros pros ideais…
Desconcertando o silêncio
um quero-quero sentido
se alçava rumo as taperas,
talvez pra avisar fantasmas,
pois era fúnebre o canto
que o sentinela do campo
entoava pelas canhadas…
depois tornava o mutismo
charlando mais que as palavras.
- Pro coração do Rio Grande
marcha a coluna enlutada
levando um clamor nos olhos,
brado das almas cansadas,
dos espíritos que rondam
um povo já sem razão
que mais parecem hebreus
oferecendo a seu Deus
o holocausto do irmão.
Do que era feito o brio
desses centauros pampeanos
que refugavam bocal?…
Que tinham sonhos e anseios
aprisionados no olhos
como um amor resguardado
no fundo do coração,
como o cruzeiro teimoso
que mesmo longe do pago
insiste em apontar pro sul.
- O tempo lento passou,
pros que fizeram morada
entre lombilho e o sombreiro,
pros que se armaram de ódio
para o furor do entreveiro,
da fome, das noites frias,
pras viúvas que ampararam
a dor dos filhos bastardos
do estupro e da covardia.
- Quando os clarins repousaram,
guris, mulheres e arados
juntaram-se aos mutilados
para uma nova batalha,
peleando, não com adagas,
mas ideais libertários
pra um dia termos motivos
para cantar novos hinos
e honrar eternas medalhas.
- Não mais o negror dos ponchos
enlutando a paisanada,
não mais centauros com lanças
cruzando a pampa gelada…
Mas, por certo ainda vigiam
n'outras formas nosso sul,
pois quando a pampa adormece
pra insônia de mil fantasmas,
uma legião de centauros
mete a cara nas estrelas
e ignorando fronteiras
fazem a ronda do céu.