ELEGIA AO ÚLTIMO INVERNO

Lorezone Barbosa

 


Antes do sol se bombear no açude,

deixei o calor dos pelegos

pra emprestar aconchego

e prosear com a guitarra.

 

Cevei um mate de espera

entre milongas antigas

e fiz dos versos parceiros

nessa tropeada de vidas.

 

O braseiro pariu em chamas

clareando a madrugada nua,

e uma cambona tisnada

meio enfurnada nas brasas,

traidno o calor dos mates

charlava e emudecia...

 

Ah! Esses invernos sem graça!

As grotas brotam aos poucos

na imensidão lamacenta,

bordando o verde dos salsos

sobre os pelegos de agosto.

 

Parei a bombear meus trastes

e senti que a mão do arremate

dessa jornada terrena

me acariciava as melenas

como quem nana criança.

 

“La fresca!”, que lida infame.

Esse inverno desgranido

parece que vem de dentro

entangue a alma primeiro,

depois o poncho surrado

deixando o corpo judiado

neste silêncio inverno.

Que agosto caborteiro!...

 

Então, pra aquentar a alma

e o corpo velho encarangado,

retoco o fogo com força,

falo sozinho, me calo.

Um grito ecoa por dentro

e o peito mouro estremece,

da garganta brotam preces,

que se esparramam no ar

e as milongas se alargam

procurando o meu cantar.

 

As lembranças vem a galope

com a saudade nos tentos,

e atropelando a memória

faz-me rever a história

abrindo as cancelas do tempo.

 

Quando o vazio dos corredores

se agrandava nas lonjuras,

eu repontava meus sonhos

montando um baio taquara,

mas meus olhos teatinos

se enfurnaram nos caminhos

entre espinheiros e auroras.

 

Armei mundéus pelas grotas,

campeei, campereei, insisti,

mas meus sonhos de guri

nunca mais encontrei.

 

Quisera eu voltar no tempo

pra remendar o passado.

Quisera tropear sem pressa

nos corredores de outrora,

e rondar nos quatro quartos

a minha tropa de sonhos,

que se perdeu de sonhos,

que se perdeu pelos anos

entre espinheiros e auroras.

 

Mas, chegou o último inverno

e o que me resta desse conflito,

/se já me sinto tão dele?

Sim, cansei de matear

nessas manhãs que me arrastam,

pois entre o mate e o pito

tem solidão, tem saudade.

Cansei de ver meu rosto

nesta cacimba orgulhosa,

que só me mostra resquícios

de um semblante em primavera.

 

Quando mermarem estas manhãs

farei do rancho tapera,

pra descerrar as cancelas

dos ermos campos sem fim,

terei pedaços de mim

varando no pajonal,

repontando novos sonhos

sobre o dorso d’um bagual.

Guiado pelo cruzeiro

vou guitarrear pros luzeiros

e acalantar a boieira,

pois será minha parceira

nesse reponte final!!!