SEM SABER REZAR
Lisandro Amaral
Caminho que a alma traduz
vestido de luz, num motivo guardado...
caminho que o tempo reluz
do calvário e da cruz no poema sangrado
eu teimo ao quebrar meu silencio
entre o muito que penso
e no algo que leio...
nas preces e aromas de incenso,
onde rezo e repenso
os mistérios que creio!
Além de mim, não há um fim!
Nem deverá...
além da cruz, não houve a luz?
nem brilhará?
os muitos motivos sangrados,
do Cristo pregado, jamais saberei
jamais saberás!
Eu não brilharei, tu não
brilharás...
Enquanto a vaidade do mundo
falar mais profundo que a voz dessa luz,
enquanto os mistérios que cremos e o
algo que lemos não possa explicar:
Eu não brilharei, tu não
brilharás...
Brilha... a
beleza de uma corticeira
refletindo o sol
brilha... o retouço
de um cordeiro
frente ao arrebol!
Luz na paisagem, de um final
de tarde,
onde paro e penso:
se eu brilharei? Se alguém brilhará?
Ainda chora o homem por não
ver
a luz de um bom pôr de sol!
Que o bom Deus te guarde,
poesia viva...
... que
o bom Deus te guarde!
Pingos rebolcados,
cantos encantados
de sabiás e vidas
vem na recolhida, luz enternecida de
um clarim barreiro
que abre o peito e canta,
que abre o peito e canta
por ter mais garganta que estes pregadores
que assinam pastores
e a gritos e ditos formam falsos ritos na
ambição mesquinha
de roubar o pouco de quem já vem louco
pela vida amarga
pela vida larga...
meu canto é um grito e tem missão guerreira,
de sentar basteira e levantar trincheiras
por onde andejar!
Meu canto é triste porque é triste o homem
que ainda vai ter
fome sem saber rezar...
meu canto é triste porque é triste o homem!
Encilhei tiflando
noutro dia Bueno!
Lambia o sereno meu par de
choronas,
agarrei cordeona, e já me pus
montado
dizendo à campanha que estava de prece
e a luz que enternece meu canto campeiro
é a mesma contida no cardeal guerreiro
e o pranto, luzeiro, que a manhã derrama
é o mesmo que flama no olhar do Barreiro!
Num culto campeiro sem bronze
nem ouro
somente as bombilhas prateadas no
couro,
somente as argolas num buçal de
touro
que foram compradas com o suor dos calos
não foram esmolas ao som dos badalos
me acompanham rindo quando teimo e vivo!
E hoje refletem motivos de
luz
aos olhos da cruz de um céu domingueiro.
Pergunto ao dinheiro que o
campo não vê;
Pergunto ao pastor que o
pobre ainda crê;
Terá no amanhã algo mais que
colher
aquele que escuta sermões sem saber?
Que o campo é quem reza no
olhar da alvorada
que o grito e os ditos que a missa decora
de nada combinam com o homem que chora
e de nada nos servem de alento e escora!
Encilho matreiro – maneador e poncho –
me escolta a esperança de firmar meu canto
e aqui, brilharei... e assim –
brilharás!
Os muitos motivos do Cristo
pregado?
Então saberei? Então saberás?
Meu canto é um grito e tem
missão guerreira...
de sentar basteiras e levantar
trincheiras por onde andejar...
meu canto é triste porque é triste o homem
que ainda vai ter fome sem saber rezar...