DIÁRIO
DE GUERRA
Léo
Ribeiro de Souza
A
chuva torrencial lambe a grama fina,
as
abas do chapéu, a ponta do palheiro.
Enquanto
frouxo a chincha do flete molhado
com
o resto de alento, com o olhar gelado,
por
sobre os arreios, bombeio o acampamento.
Vultos
envoltos em capas e ponchos
andam
lado a lado pelo lamaçal.
Que
inverno guapo, que tardinha cinza,
fazia
anos que não via igual.
Adentro
na barraca e procuro um canto
adonde
as goteiras não me perturbem o sono.
Os
nacos de losna que colhi na volta
vou
botar no mate, que me aquecerá o lombo.
Nuvens
de fumaça brotam do cinamomo,
que
encharcado geme, mas se entrega em
brasas.
E
este vento triste, por que não se cala?
Na
boca da noite, bocas extraviadas,
em
vozes roucas, antes apressadas,
vão
se acalmando enquanto o tempo avança.
E,
ao pé-do-fogo, o coração descansa.
O
dia fora de fulgor e luta,
escaramuças
de arrepiar os bravos.
Ermos
perdidos nos confins dos campos,
sob
uma viração de encurtar a vista.
Hoje
não caiu no fofo chão marrom
nenhum
parceiro, ou pingo, ou cuscalhada,
mas
a ausência do louco Trajano
que
a três ontontes a gente pasmava
peleando
lindo no pontão da tropa,
inda
dói na alma, que Deus o tenha ao lado.
E
este vento triste, por que não se cala?
Por
que não se abala pros rumo do norte?
Pros
rumo da sorte dos que longe estão
desta
comunhão de lança e de adaga?
Porque
não me leva pro bojo das trevas
pra
perto dos meus?
E
ainda busco razões para aqui estar.
Há
um vazio enorme apesar dos amigos
e o
corpo se cansa de paletear direitos,
que
insistem em cambiar-se de ambição pra ambição.
Cada
dia que passa é um pedaço de vida
que
voa com as patas destas califórnias
que,
se um dia voltarem nas sombras da tarde,
as
penas passadas terão seu valor.
Aqui
o pecado é pelear por fronteiras
e a
sentença são as manhãs de ausências,
cobrando
de nós um tempo melhor.
Mas
que cheguem as manhãs, que cheguem as refregas,
porque
em meio a estas não cabe amarguras
e,
em algum rincão deste Rio Grande velho,
alguém
pensa em mim.
Por
que se chama guerra o brigar por ser livre?
Neste
lugar fecundo de ódios banais,
não
se fala em tosquias, castração ou ordenha,
ou
corte de pasto, ou erguer uma taipa.
São
coisas de trabalho que a luta não alcança,
mas
aqui estamos para que no futuro
o
cedro de sombra e não cabo pra lança.
O
fogo nos gravetos secou minhas botas,
a
chuva acalmou-se, sobraram os fantasmas
dos
grandes que tombaram, mas insistem em voltar.
Almas
angustiadas pairando no ar
gemendo,
gemendo... banidas do lar.
Me
vou aos pelegos, minha cama e meu trono
dormir
descansar e talvez sonhar,
quem
sabe entre os vivos meu derradeiro sono.
E
este vento triste, por que não se cala?