VERSOS PARA UM QUARTO DE LUA

Lauro Antônio Corrêa simões

 

É setembro

e, a chuva vem negando o estribo

para a floração da primavera.

Na invernada da tapera, a cavalhada,

ainda pêlo grosso da invernia,

campeia o baixio dos caponetes

como quem anseia por silêncio...

Vivaracho,

o minuano campereia noite e dia

a bater chapa contra os bicharás.

Parece querer, nesse seu tranco,

contrariar um chiru, cabelos brancos,

que atende pelo nome de ...Fidêncio!

 

Há quase um asemana o índio velho

profetiza o tempo bom pra logo adiante.

Afirma que na entrada da minguante

a chuva chegará - fala sorrindo!...

O outubro será florido e lindo

como há muito não se vê por estas plagas

e, amadrinhando um pai-de-fogo e um acambona,

no olhar do peão algo gaviona,

qual o "quite" faiscante de uma adaga.

 

No meu tempo de piá, foi sempre assim!

Um índio teba de prosa serena!...

Desses que seguiram um clarim

e por luxo no mas, usam chilenas!

Com eles aprendi a amar a terra

e nos momentos tristes, compreendê-la.

Quem sabe, eles soubessem disso, lendo estrelas

para ensinarem-me o amor que o pago encerra!

 

Ah, Rio Grande!

Desses gaúchos, de um misto de pedra

mais dura que o aço e um som de milonga,

mais doce que o mel...

Ungidos de pampa, ponteiros nos vaus.

Seus cernes, colhidos num quarto minguante,

são quais os granitos que habitam peraus!

 

Vieram de onde sesteou a ternura,

costeando o caminho de algum lugarejo.

Peões e changueiros, vaqueanos e andejos

que abriram picadas em mil arrebóis.

Vieram do fundo do tempo mais sábios, vividos

pois foram curtidos por quartos de lua e sabres de sóis!

 

Sim! Foi com eles que aprendi a "sacar tentos";

laçar um potro xucro do "gargalo";

emendar um laço de a cavalo

e  a nunca renegar os sentimentos!...

Foi com esses homens de voz calma

parceiros de meus mates, na infância

que recebi o batismo numa estância,

para o campo guardar eterno n'alma!

 

Todos creêm nesses velhitos

que de profetas, já ganharam ares.

Talvez mais um domador que enseba "aperos"

e afunda na distância seus olhares,

cinchando alguma nuvem desgarrada.

No cavalete, maneadores e buçais

reluzem no aguardo dos bagüais

que é tempo de rodeio e potreadas!

 

No fim do inverno,

parece até que os campos

trouxeram cavalos para a muda!

Renovam-se os sonhos pelos catres

da peonada rude e macanuda.

Agora, a espera, é uma ilhapa tão somente

de um laço que doze braças tinha.

O minuano, aos poucos, se embainha,

quando a minguante chega... finalmente!

 

Velhito "boca santa", o "seu" Fidêncio!

Se apeia um toró , junto da aurora.

E, o céu, sangra a pua das esporas

que os raios no garrão botaram canga.

Setembro, despacito se arremanga

para seguir, enfim, o seu caminho,

pois quando a sina-sina, esconde espinhos,

sabe que é hora de buscar o váu das sangas.

 

Outubro - bem montado - esbarra o pingo,

cerrando a porteira do silêncio.
Na mala-de-garupa traz gravetos

para o lume dos olhos do Fidêncio.

O campo, lentamente, se perfuma

para o peão que cresceu sobre o arreio

e na vida de um guri tornou-se esteio,

juntando rimas pobres, uma a uma!