TRIBUTO A UM MARCA-TOURO
Lauro Antônio Correa Simões
Um
potro de naipe, sem marcas no couro,
de
pelagem moura, ainda orelhano...
O velho,
um gaúcho de adaga à cintura
e
esporas de prata, lavradas em ouro,
haver
de algum jogo de olada
de
tava ou de truco, carteado de mano
mas,
segundo contavam as línguas-de-trapo
foi
bem-de-família, aquele tesouro.
Desses
índios, centauros pampeanos
como
nomes antigos: Januários, Gaudêncios,
escassos
nos livros novos de registros
e
rara presença nos últimos censos...
Desses
xirus que à boca-do-povo
evocam
essências pra lá dos olvidos
e,
nas rodas de mate são reconhecidos,
pois
mais se parecem a irmãos do silêncio.
Bombeiem
seus olhos
que
afundam no abismo das brasas vermelhas
e à
luz das centelhas, pupilas inquietas, acendem clarões.
Ali,
as imagens do pampa são xucros retratos
que
aquecem as noites compridas, por entre relatos,
de
chinas trigueiras, fandangos, rodeios e potros-gaviões.
Ah!...
Esses homens,
vaqueanos,
campeiros, afeitos à lida.
As
faces cebrunas por sob as melenas.
Sombreiros
tapeados, jeitões de torenas
pras
lérias do mundo e domas da vida.
Gaúchos
- mais nada -.
Quando
um doze braças, com asas ligeiras
se
vai para o abraço nas mãos de um novilho
e,
depois do pealo, com o laço de arrasto,
os
tentos chairando os flecos do pasto
o
índio sorrindo, encosta o cavalo e diz para o filho:
-
Pra ti este laço e este pingo mouro,
orgulhos
que tenho, pois sei que, algum dia
serás
tu, guri, mais um marca-touro!...
Pra
que nome?...
São
mais respeitados por uma farroma
e o
bueno de rédeas que tem os seus fletes
que
estão nos arreios de "miles" de estâncias
e,
ao largo, nas tropas que passam nos bretes.
Depois,
vem o povo...
E
quando se achega o tempo de esquila
e a
lã dos rebanhos imita as nuvens
e
os tais contratistas andejam nas ruas,
formando
comparsas que aguentam a pua,
tesoura
e tesoura, pra safra dos velos
são
os marca-touro, que habitam nas vilas
que
querem e levam pra changa dos pilas,
pois
só para guapos, é a tosa à martelo.
Então,
há serviço e os sonhos se agrandam
cruzando
caminhos e abrindo porteiras,
pelos
interiores dos campos floridos.
Matar
a saudade de um tempo perdido!...
Matar
a saudade, só isto, lhes basta!
Picar de um bom naco - lembrar algum tombo -
a palha da espiga, sovar sobre o lombo
da
sua xerenga de marca já gasta.
Porém,
estás vivo e é isto o que importa!
Mais
um cerne antigo em fim de jornada!
Velhito,
és eterno, se a ti te conforta,
aflora
nas prosas, pelas madrugadas.
Ficaste
nos causos que andejam, dispersos
e
és parte do campo, cantado nos versos
de
algum payador que "sona" a guitarra
por
esses bolichos de beira de estrada.
Ah,
irmão,
do
potro de naipe, sem marcas no couro!
Cadê
tuas esporas, lavradas em ouro,
teu
jeito de taita... naquele inda penso!
Hoje,
de chinelos de dedo e à sombra de um gorro,
estranha
figura que até os cachorros
que
te festejavam, só guardam silêncio!
Marca-touro,
sim senhores!...
São
eles o assunto dos "cuentos", nos pousos,
entre
a peonada que chimarroneia suas ervas caúnas.
Legendas
talhadas ao pé dos braseiros,
aonde
arranchadas o tempo conserva as lendas do pampa
e,
a estampa andarenga de heróis sem fortuna!