POEMITA
CAMPEIRO PARA UMA TARDE DE CHUVA
Lauro
Antônio Corrêa Simões
-
engaçada pelo vento, entre o céu e a coxilha -
cruzou,
passou num galopão estendido
embaciando
os fundos do horizonte,
como
uma mancha de cinza que se apaga.
Golpeando
o capim, várzea, cerro e grotas,
guasqueou
mil ranchos, nesse seu reponte
e,
foi chorar tristonha n’outras plagas.
Fervendo,
no entanto, ficaram as vertentes,
pranteando
aos borbotões sua prata pelos campos
em
livres correntezas, abertas como flor.
A
sanga foi bebendo, fazendo espumarada
com
a água que chegava rolando dos lançantes,
aumentando,
crescendo, fazendo mais enchente;
Rugindo
mais e mais nos passos e picadas;
Mordendo
as barranqueiras em pé, mas vacilantes.
Nas
casas, sobre os caibros do galpão,
os
negro ponchos estendidos;
Pelegos,
xergões, badanas e baixeiros
-
fantasmas que assombram pelas sombras -
ao
lusco-fusco arisco de um candieiro...
-
Me alcance o cravador, “seu” Valeriano!...
Hoje
termino este “preparo” de encomenda
-
já que não dá pra chegar até a venda -
quem
sabe, eu ganhe uns pilas do Paisano!
Tarde
de chuva!...
O
fogo alteia labaredas rente “a trempe,
tostando
as cambonas para o amargo;
Secando
as alpargatas encharcadas
dos
rudes peões daqueles pagos...
Um
vago - que pediu pousada ontem -
apronta
com capricho o seu palheiro
-
desses de acender-se muitas vezes -
como
quem anda a cruzar caminhos largos!....
Um
guri, bombacha arremangada
(quase
de a cavalo no braseiro )
falqueja
uma forquilha de bodoque,
dando
um retoque final com o canivete...
Lá
fora, vai o caseiro enchiqueirar terneiros;
Corretiar
as vacas mansas que, mugindo,
vêm
insistentes para pousar no brete.
Os
cuscos, aproveitam o mau tempo
e
esquecem das férias e alardes,
para
espicharem a sesteada nessa tarde,
pois
o friozito convida pr’a os pelegos!
-
Lá maula... mas tudo está molhado!
A
lichiguana vai chamar muito mais cedo
o
peão que não deixou um pala reservado!...
São
poucos os lamentos desses índios;
Cernes
de angico desde a tenra infância!
Por
atavismo, tem a lida bruta...
Esteios
d’alma dos galpões de estância!
E,
quando externam um sonho ou mesmo mágoa,
na
singeleza de um anseio novo...
É
um par de botas pr’a comprar no povo
ou,
um chapéu que não lhes vare água!
Mas,
quando merma a prosa
e,
o conta-gota do zinco então se escuta
pela
janela entre-aberta, vez por outra,
quebra
o silêncio dessas reculutas
um
retouçar de cascos dessas potras
que
lembram clarins, com seus relinchos!
Sobre
a grimpa de um umbu, charlando à toa
-
com os topetes desabados de garoa -
bombeiam
desconfiados... dois pelinchos.
Tarde
de chuva!...
Um
guaxo e uma galinha com seus pintos,
negaceiam
a porta do galpão, para pousada.
A
prosa esquece o tempo e, um rádio a pilhas
leva
e traz a voz de algum vivente
entre
chiados, roncos... e payadas!
Então,
a noite se apeia, lentamente!...
Uma
costela gorda, engorda o fogo.
Um
jogo de truco se apresilha
e
surge um arco-íris na coxilha
e o
horizonte ganha lumes diferentes.
Saudade,
alegria, tristeza - o passo ficou cheio,
sem
vau nem pr’a tordilho nadador!
Isto
deixou o após chuva na querência!
Além
da água, mil coisas para sentir!...
Isto
deixou a garoa galopeando!...
Alegria
a quem fica no seu rancho!
Tristeza
para quem deve partir
e
saudade a quem foi... e vem voltando!