AMANHECER NA ESTÂNCIA
Lauro Correa Simões
A quietude da madrugada,
Ainda dona das extenções camperas
Segue ao tranco, golpeada vês
por outra
Pelo arreador estridente de
um quero-quero.
A tropa osca
da noite grande
Campeia a porteira, num
derradeiro reponte:
Último quarto-de-ronda
do olho arregalado da Boieira...
No trilho imaginário da
cancha dos luzeiros,
Vem e vem, tocadita pela fusta do horizonte
A barra do dia, relogiada pelo olhar do peão campeiro.
Há muito, no galpão de
tábuas,
Um rádio charla
entre milongas, polcas e vaneiras
No lançamento recente de
algum disco
De um festival de serra ou da
fronteira.
O fogo de chão, pita seu pito
com longas tragadas
Engolindo os cernes das toras
de aroeira.
É madrugada!
Os nutridos tarros no tosco baldrame, num
moirão do brete,
Saciam a sede pelas mãos
calosas do peão caseiro.
O leite morno p’ra
o café engrossado dessa peonada
Chega despacito os passos do piá-mandalete.
Berram os guaxos-
de vazio no fundo-
Quando o guri chega no portal das casas,
Com os grandes
baldes de barrigas cheias...
Guaxerio dengoso- galopeando á volta
do piá sapeca.
Cirandeando bobos a chupar-lhe os dedos.
A peonada grita, quando um
baixa o toso
E atropela a porta,
esquecendo oo medo
Da vassoura em riste para o
mais cargoso.
Na cosinha
da casa grande, sobre o fogão de lenha
Um chaleirão
de ferro cheio de água pura para um mate amargo
Os jujitos
dançam ao calor da chapa, quase incandescente
Um rádio proseia e, suas
cantilenas vão a trote largo
Vazando nas trinchas, bombear
o nascente...
Ainda é madrugada...
De quando em quando, um riso alegre
Escapa das estacas do
silêncio
E corta campo, matrereando nas quebradas!
Um causo picaresco
frouxa a cincha
E imita um bagual, quando
relincha,
No timbre gauchesco das
risadas!
Um galo abre o peito, na tronqueira da cancela
Despertador campeiro- entre a casa e o galpão!
Meio rouco no princípio,
compõe a goela
Para o refrão matinal das
quatro e pouco!
De bucal na mão, o recolhedor
alcança a cuia
E ruma p’ra
o pequete, bem mandado!
“Ai” que buscar-se dos
gateados a tropilha...
Enquanto isso, os cavaletes
descansam “aperados”,
Com os arreios invertidos,
para a encilha!
De repente, o tirrim espinhento das esporas
Alvoroça o galpão, em talareios!
Os tiradores se acolheram às
cinturas
P’ras
cotidianas fainas dos rodeios!
Antes, “ai” que galopear-se
um potro zaino
De estrela da testa e linda
estampa...
Boleado que foi por
bola-pampa,
Numa pachola gauchada sobre
um plaino.
Nos cinamomos guarda-sóis do
parapeito;
Nas larangeiras
do pomar, os passarinhos
Alteiam os seus cantos em
coral
A despertarem os irmãos,
ainda dos ninhos.
Em festa o alvorecer já se anyncia...
Um garanhão relincha à
estrebaria
Clamando o desjejum ao peão
caseiro.
As tambeiras
saem ao passo, com os terneiros
E, molhado de sereno, chega o
dia.
A lo
larlo, um ventito
parelheiro se arremanga
E, leva um “osso
cabeludo” d’um paisano:
Lá maula,
tão logo hoje p’ra pegar os araganos;
Bagualada que a muito andava gaviona...
E o vento assobiado por
pirraça...
Se não voa o xergão, voa a carona,
Ou juntas se vão em redoblona
E, os malalistas
corcoveiam, só por graça.
A cachorrada em volta é um
alarido.
A peonada ri, parada à porta.
São cavalos “sentando”, nos
palanques!
É o guri negaciando
uma ´gua torta
E, o paisano mais brabo que
um vespeiro,
Quando um gateado-cabos-negros,
flor de arisco
Lhe toma o cabresto e, qual corisco
Sai “vendendo as garras”, no
potreiro...
Mas- Bueno.
O sol, pintor crioulo de
aquarelas,
Já quase aponta o face em rubra ânsia,
Como quem espia pelo vão de
uma janela!
Aos poucos o silêncio volta e
acampa.
A peonada em recorrida, na
distância,
Repontam
pela manhã clara do pampa
As vozes mais terrunhas das estâncias.