ALÉM DAQUELA PORTEIRA

Lauro A. C. Simões

Aquele!...
Domou por anos a fio, até branquear a melena,
perder a força no muque mas, conservando o tutano.
Peonou, ainda no tempo que estância abaixo de légua
era potreiro das casas nos ditos daqueles anos.
Baguais de muitas pelagens, gaviões de todas as marcas.
Redomoneou até mulas pras antigas comitivas,
quando por aqui andavam aqueles homens estranhos
de modos e de costumes que se chamavam “birivas”.


O outro!...
Alambrou tanta distância que até se perdeu na conta.
Por uma vida e um pedaço estendeu moirões de cerca
e se plantou chão adentro nos “mortos” de guajuvira
que viverão tanto tempo que até parece mentira.
Quem ler a mão desse índio, calosa dos socadores,
curtida das pás-de-goiva, riscada de puas brabas,
verá a força do campo, sempre latente e incontida
na singeleza dos rudes, porque a luta não acaba.


Também tem aquele outro, jeito calado e sisudo,
certo ar de autoridade sem um traço de arrogância.
Lida de campo é com ele que determina e comanda
porque após a voz do dono é a do Capataz da estância.
Por isto o cargo que ostenta exige conhecimento
pois, quem não sabe, a fazenda também tem uma hierarquia.
Depois dele vem o sota, mal comparando um sargento
que organiza e distribui a campeira parceria.


E, aquele!...
De jeitão calmo, assobiador contumaz, de chapelão desabado,
parece entender de tudo pois, corta lenha, carneia,
varre galpão e terreiro, cuida o pastor amilhado.
Começa a lidar bem cedo, nem bem o dia clareia.
Caseiro, o homem das casas, porque assim é conhecido.
Quando soa um “Ô de casa!” é por ele que se indaga!
É seu o primeiro mate porque berram as tambeiras
e dele o findar das luzes, quando o candieiro se apaga.


Também tem aquele homem, lidador de sol a sol.
Conhece a força do solo talvez mais que outro qualquer.
Tão grande é o seu carinho na semente que semeia
que quando fala da terra, a trata como mulher.
Hortaleiro, jardineiro, nomes vários para um só,
que o cio da terra fecunda o grão, o fruto e a flor.
Quem dera o espelho da vida pudesse mostrar a todos
o exemplo imensurável de quem cultiva o amor.


E, aquela humilde senhora, jeito franco e despachado,
perdeu a conta dos guachos que ajudou a criar.
Na casa grande da estância, a cozinha é o seu mundo,
e com tachos e temperos ajuda a vida a passar.
Quem a vê como eu a vejo, talvez custe a acreditar,
porque a peona é invisível aos olhos de tanta gente
e não habita os sonhares de quem não sabe sonhar!

E, aquele, laço nos tentos, um gauchão de-a-cavalo,
sentado sobre os arreios bem se parece a um sultão.
Paleteia um mal-costeado, “laça de encontro” um terneiro.
Desde moleque, aprendiz dos valores do seu chão.
E – aqueles – brigam por terra como se mais merecessem
na diferença do grito nossa maior atenção,
enquanto quem, dia a dia, lá está a vida inteira,


segue esquecido dos homens até a próxima eleição.

Todos eles, cada um são almas vivas do campo.
Razão e ilusão somadas porque há valor nas quimeras.
Eles vieram do tempo dos avós e permanecem
porque vivem nas lembranças, ainda que de taperas.
E, até hoje, lá estão, além dos computadores
a reprisarem serviços que requerem a importância
de quem possui sentimento, amor a terra e ternura,
enfim, o coração verdadeiro do que chamamos de Estância!