Xucra Saudade
Jurema Chaves
Ruminando meus silêncios
Abro a porteira do peito
E me vou cancela a dentro
Quando a saudade vem me fazer confidências
Amargando a ausência do meu canto - chão
Um manancial de ternuras repenicando no peito
Restevas doces de infância
No ventre da terra-mãe
Onde o amor rebrotava enverdecido
O sol despontava colorindo o lombo da coxilha
Espalhando aromas de alecrim e maçanilha
Na verde imensidão do meu viver
Meu olhar se esgarçava no horizonte
Onde o arco-íris vinha beber na fonte
Depois partia, beijando as franjas do céu
Essa paisagem divinal da minha terra
Que guardo na vitrine dos meus olhos
Onde as lonjuras se alongam
Mas não conseguem apagar
Lá, o meu sonhar petiço buscava espaços
Semeando risos, adormecendo nos trevais macios
Sonhando com um mundo repleto de paz
Mas, o tempo, a galope, levou pra bem longe
Meu mundo piá
Deixando saudade no brete do peito
E um adeus cristalizado no olhar
Pealando estrelas em calçadas nuas
Onde a luz da lua não vem poetar
A primavera não tem beija-flores
Só o gosto amargo da ausência
Pairando no ar
No trote largo dessa vida louca
Amalgamando lembranças desbotadas
Fantasmas, apenas, mais nada
Pelos caminhos tortos do destino
Ainda busco o meu eu menino
Pés descalços, riso frouxo e festa nos olhas
Bebendo a imensidão azul da minha infância
Como a reencontrar o que perdi
Quando parti sem dizer nada
Sem adeus, emponchei meus sonhos nessa longa estrada
Aqui palanqueando o meu peito
Resta o 'só' da solidão
E essa dor a desnudar-me a alma
Acompanhando os passos do meu coração
Que perdeu-se nas incertezas da vida
E não consegue voltar
Voltar para aquele rancho, tapera
Encontrar meu velho pai à sombra do seu oitão
Mateando ao entardecer,
Ouvir pássaros cantando na calidez do poente
Ouvir murmúrios da sanga correndo nos pedregulhos
Ver aguapés florescidos, como quem borda um vestido
Para enfeitar a lagoa
Tomar um banho na sanga
Colher as rubras pitangas em sesmarias de flores
Juntar meu gado de osso, em dias de marcação
No meu flete de taquara, encilhado de ilusão
Galopar campos sem fim
Rebuscar de ponta a ponta
Meu mundo de faz-de-conta
Que perdeu-se por aí
Deixando rios de saudade pelos recantos de mim
Quisera retornar no tempo
Retroceder, encontrar comigo
Abrir a porta desse rancho-coração abandonado
Deixar o sol entrar tecendo rendas de esperanças
Me embriagar no perfume das madressilvas singelas
Ouvir gritos sentinelas do quero-quero pampeano
Sentir o xucro minuano me agitando as melenas
Dedilhar mudas guitarras empoeiradas de ausências
Milonguear versos de amor, encontrar notas perdidas
Que ficaram adormecidas na partitura do peito
No crepitar dos fogões, aquecer recordações
Do verde-azul do meu pago
Poder, enfim, meu parceiro
Deixar queimar nos braseiros
Toda tristeza que trago
Aquecer o frio da ausência
Apagar o pó da estrada
Sair de alma lavada
No riacho das lembranças
Que um dia deixei ficar
À sombra de uma figueira
No canto de um sabiá
Juntar pedaços de mim,
Resquícios rubros de auroras
Que se embretaram no tempo
Engolindo chuva e vento
Cabresteando o potro soledade
E nessa inquietude, esse índio rude
Até se fez poeta
Roubando rimas de pontes multicores
Changueando versos de amores
Pra não morrer de saudade.