RIMA DE GALPÃO

Juarez Machado de Farias

 

Nem  só as estrelas clareiam

as reentrâncias da alma.

Também um fogo no centro

de um galpãozito campeiro

nos lembra os elos do chão

- tantos mais, se um chimarrão

faz contracanto ao palheiro...

 

Nem só as mansões abrigam

com mais grandeza e mais luzo

- um galpãozito campeiro

é um ninho para o gaúcho

ressonhar sonhos singelos

e acordar as primaveras

sobre o deserto dos rumos.

 

De noite, voltam cavalos

- com seus olhos de segredos -

depois que se ergueram, firmes,

junto às auroras, bem cedo...

No galpão, se desencilha,

enquanto a lua tordilha

se apeia sobre o varzedo!

 

Quem não se fez de rogado,

afinou o violão,

alimentando versos

a terra do coração.

(“Do pentagrama das horas,

milongas pousam, agora,

nos ouvidos do galpão...”)

 

Alguém apartou recuerdos

das imagens em rodeio

- contando a “vez” de uma tropa

pra varar no arroio cheio...

outro - pachola e retaco -

contou a vez que esteve ilhado

por causa do tempo feio.

 

Alvorino - os olhos alvos

como semblantes de aguadas -

recorda quando era novo

e sua “premera” tropeada.

(No galpão, a roda grande

atenciona a esse andante

que abana crespos de geada...)

 

Gregório, que está viúvo,

é o mais quieto da peonada...

No galpão, ele se ajeita

dentro da alma emponchada.

Fica horas - misterioso...

como se dentro do fogo

visse os olhos da finada.

 

O galpão, nesses momentos,

parece feito de noites

que desancoram mateadas

e estradas de outros repontes.

A vida é o sangue da erva

- costume que a gente ceva

pra se inventar horizontes...

 

Nunca falta um gurizote

que tem os olhos acesos

- mas que já monta, sem medo,

num tostado escarceador...

No galpão, nesses momentos,

vai colhendo ensinamentos

pro destino campeador.

 

Se enrodilharam os laços,

junto ao sono dos arreios...

O galpão é um templo xucro,

na rigidez dos esteios

- braços de algum domador -

nascidos do mato em flor,

mesma carne dos campeiros!

 

Um ovelheiro que dorme

no costado de seu dono

persegue - dentro do sono -

uma lebre, cerro abaixo.

seu feitio guapo e fiel

achou verdadeiro céu

nas lidas do campo vasto.

 

No galpão - aves e mudas -

dormem as tantas esporas

que antes cantaram, e agora

se apartaram dos garrões...

Calhandras cheias de notas,

deixam no couro das botas

a marca de suas canções...

 

Quando eu andava vazio

- com frio, sem poncho e disperso -

correndo atrás de algum verso

pra beber meu próprio rio,

me alcançaram o chimarrão,

e e u me avistei num galpão,

com milongas no assobio!

 

No galpão, eu me criara

- noutros tempos, noutras luas...

que eu tenho estirpe charrua

e minuanos no meu toso.

Me agradam horas de prosa

e demorar os meus olhos

nos tições erguendo o fogo...

 

Por vezes, canta o silêncio

no intervalo das palavras...

Um grilo, em longa pajada,

ajunta bordão e prima.

Quando eu me apercebo, então,

que foi pensando em galpão

que eu encontrei esta rima!