LEI ÁUREA

Jurema Chaves

 

Conheci numa fazenda,

Um negro já bem velhinho,

Os cabelos tão branquinhos,

Pareciam de algodão.

Trazendo no coração,

As marcas da escravatura,

Mesmo assim havia ternura

Nos gestos de suas mãos.

 

Os olhos cheios de pranto

Relembrando o sofrimento

Dormia sempre ao relento,

O corpo sempre cansado

E de chibata marcado

Gritos de dor e lamento

Desse negro amargurado

Seguindo o rumo do vento.

 

Lutando de sol a sol

Na fazenda onde vivia.

Sem lugar para alegria

Dentro do seu coração.

Só o medo e aflição

Fazia parte da vida

Porque já nasceu marcado

Pra escravidão tão sofrida.

 

As vezes acorrentado

Não lhe davam de comer.

Um negro tem que sofrer,

Assim dizia o patrão.

Negro não tem coração.

Não é gente, não é nada,

Só entende a lei do tronco

Pegar no cabo da enxada.

 

Nas mãos de um feitor malvado

O pobre negro sofria

Morrendo um pouco por dia

Debaixo d´uma chibata,

Só porque a sorte ingrata

Lhe deu essa pele escura

Derramou sangue e suor

Na maldita escravatura

 

Porém um dia surgiu

A majestosa princesa.

Não suportando a tristeza

Desses seus irmãos de cor

Cheia de brilho e fulgor

Criou a lei que fazia

Todo ser humano livre

Sem a carta de alforria.

 

Já no inverno da vida

De que lhe adianta a liberdade.

Cativo d´uma saudade

Daquilo que nunca teve

Só quem sofreu com ele

É que pode avaliar,

Marcar profundas no corpo,

tanta tristeza no olhar.

 

Eu lamento negro velho

A cruel escravidão.

E dói no meu coração

Teu sofrimento, tua amargura,

Contrastando a pele escura

Vejo a brancura da alma,

A voz suave e tão calma,

Transmitindo amor e ternura.

 

A pesar do que sofreste

Tens tanta compreensão

Sempre pronto a dar a mão

A quem te magoou na vida,

A força do teu perdão

Me deixa tão comovida

Vovozinho, preto velho,

És, uma jóia querida.

 

Salve os abolicionistas,

Que numa luta com presteza,

Acabaram com a tristeza,

Com a dor do cativeiro.

Eu sei que o país inteiro

Os, guardam no pensamento

Hoje, os filhos desta terra

São libertos como o vento.

 

Lei Áurea, sempre bonita,

Nesse valioso papel,

Que tirou do coronel

O poderio tão tirano.

Levando seres humanos

A serem tratados como fera

Nunca houve primavera

Para o negro Cipriano.


 


Negro, levante o teu rosto.

Tire esses olhos do chão.

Nós todos somos irmãos,

Levante a tua cabeça.

Pra que o mundo reconheça

O que fez aos filhos teus

Pois eu sei que a escravidão

Não foi criada por Deus.