AURORA DA VIDA

Jurema Chaves

 

Eu sinto tanta saudade

Da aurora da minha vida,

De uma casinha escondida

Entre as sombras do quintal.

Num recanto divinal

Onde brotava a esperança

Num coração de criança

Amando o berço natal.

 

Em um mundo de ternura,

Um sublime encantamento

Eu vivi cada momento,

amando como ninguém.

Na verde pampa sulina

Cresceu então a menina

Pois só dá amor quem tem.

 

E quando a tarde morria

Sobre a vede colina

Minha mãe, famosa china,

Preparava o chimarrão

E eu abria o portão

Para o papai que chegava,

Lembro, que os dois se abraçavam,

E mateavam no galpão.

 

E lá, entre um mate e outro,

A prosa ia correndo

Depois eu vinha trazendo

Pro papai, o violão.

A cuia então descansava

Enquanto ele dedilhava

Aquelas cordas plangentes,

E aquele cantar dolente

Ficou no meu coração.

 

Algumas frases bonitas

Formavam um canto de amor

Que meu pai, um trovador.

Cantava dizendo a ela

E brilhando o rosto dela

O mais terno dos sorrisos

E naquele paraíso

A fé e o amor existiam

Numa canção que eu ouvia

Tornando a vida mais bela.

Minha mãe era tão meiga

Tão simples e delicada.

Como o romper da alvorada

Despertando a natureza

Que o luar. Tenho certeza,

Invejava aqueles dois,

Que cantavam com ternura

O amor todo doçura

Mas. Tem um depois.

 

E o depois foi tão tristonho,

Tudo mudou de repente,

O destino certamente

Escreveu em algum lugar

Que tudo iria mudar,

Se quebraria o encanto,

E tudo que eu amei tanto

Se foi. Como se vão as águas

Transformando em tristes máguas

A imensa dor do meu pranto.

 

E eu me vi sendo arrastada

Pelo turbilhão da vida,

A mais triste despedida

É um vazio, que foi ficando.

Acordo as vezes chorando,

Sonhando com o passado,

Vejo meus pais abraçados

Na varanda conversando,

Com os meus irmãos brincando

Naquele mundo encantado.

 

Tudo era tão bonito

Que eu lembro, meu pranto cai.

Ali eu tinha meu pai

Com um violão nos braços.

Cantava cada pedaço

Do meu universo em flor,

Numa voz cheia de amor

Que hoje canta no espaço.

 

Nem a morte conseguiu

Separar tão grande amor,

Partiu para o esplendor

Do jardim da santidade,

E na dor da minha saudade

Imagino. Dois beija-flores,

Sorvendo mates de amores

No galpão da eternidade.

 

Ao sentir a nostalgia

Que traz o entardecer.

Que bom seria poder

Voltar aos tempos de outrora

E ter no romper da aurora

A família reunida,

Ver a minha mãe querida

cevando a cuia pra o mate,

Lembrando. A saudade bate,

E embarga a voz comovida.


 


Pois a vida é tão bonita

Quando a gente tem os pais,

Para aliviar nossos ais,

E nos cobrir de carinhos.

Hoje só, neste caminho,

Peço a Deus nosso Senhor

Cobrir com o manto do amor

Os meus queridos paizinhos.

 

Erguendo os olhos ao céu

Peço a Deus, lá do infinito.

Pra aquele amor tão bonito

reinar na glória divina

os pais daquela menina

que aqui dentro ainda mora

se as vezes meu riso chora.

É por culpa da lembrança

Que traz de volta a criança

Que o tempo levou embora.