O ROMANCEIRO DA PAZ
Júlio César Paim
A vincha
rubra na testa
Prendia as melenas
compridas...
Já tivera barba negra. E, os,
olhos além...
Muito...muito além do horizonte de si mesmo.
Usava bombacha
branca. Camisa branca, também...
E uma rastra
de coura à cintura
Completava a estampa daquela
alma tão pura.
Botas?... Não! Os pés no chão...
...e as mãos calejadas por
sementes lançadas em vão...
foi lavrador...Operário. foi
tropeiro, carreteiro...
empreiteiro...arrendatário...foi, enfim, de tudo um pouco.
E teve os nervos de aço
temperados por sóis em brasa...
E enfrentou, só, o mormaço, e
geadas e chuvas frias,
Na vã esperança de ver
renascer
Das sementes de sonho o pão
do amanhã...
Assim criou os filhos
Que criaram treze pares de
asas
E partiram pra cidade grande
prometendo regressar.
Mas a dor maior foi quando as mulher amada
Ganhou o último filho, e
partiu pra nunca mais voltar.
Desde aquele dia
Também teve anseios de partir
Em busca de um horizonte de
paz...
Desde aquele dia
Um ideal retirante tomara conta
de si...
Apesar dos pés no chão,
As asas da imaginação
ultrapassavam os limites
Do negro céu da razão que o
escravizara ali...
E não fosse a força interior
Que o prendia àquele
ambiente, teria partido
E abandonado: a sombra do Carramanchão...
A lagoa em frente ao
rancho...
O carancho...
o quero-quero...o socó...
A garça branca, cada vez mais
triste e só!
Aprendeu matear
solito,
Contemplando o infinito no
embalo da Saudade,
Que se fez amante
Daquele que já fora o senhor
da Liberdade...
Ah! Saudade!
Que saudade da mulher amada...
...dos filhos que não
voltaram...
...dos netos que não
conheceu.
Que saudade do sonho de viver
em paz...
...o sonho que, apesar do
tempo passar, não morreu...
o tempo e o vento
esculpiram uma estampa rude e triste
naquele rosto- deserto de sementes fecundas-
por onde desceram lágrimas de sangue e suor,
abrindo fendas profundas na face coberta em pó.
A erosão dos anos arrastou
consigo
Os momentos de ternura e
afeto...
E o privou do momento sublime
de contar uma história,
Talvez a própria história
para um neto...
O tempo e o vento passaram
voando
Moldando, no cerne da carne e
do osso, um monumento vivo:
Os olhos além ilusão...a vincha na testa,
Prendendo as melenas
compridas...
Camisa e bombacha
branca, cerzidas
-remendos que a vida tentou
costurar em vão.
Os pés no chão...As
mãos calejadas...
E a alma acuada...tomada
pelo só da solidão!
A sombra do velho carramanchão
Apenas uma dor no peito: a
dor de não mais
Poder oferecer uma flor à
mulher amada...
A dor de não mais poder abraçar
os filhos
Que se perderam nas
encruzilhadas...
A dor de ternura ultimamente
Apenas o prazer de sentir o
chimarrão veia a dentro...
...enquanto as mãos trêmulas
acariciavam a cuia morena, como se fosse
um seio em chama- ardente de amor.
Apesar de tudo
Do lado esquerdo do peito
Havia um coração,
Que tal qual
as asas da imaginação
Se negava a parar de bater...
E no olhar, o mesmo anseio de
alçar vôo...
...e voar, e voar...e partir com as garças brancas
em busca de um horizonte de paz!
Pressentindo que os olhos da
noite
Não mais se abririam para um
novo dia,
Mateou noite afora. Contemplou a última lua...
E imaginou que, na prata da
lagoa,
Estrelas –noivas suas –
bordassem
Um enxoval de lembranças
boas!
Preparado para uma
viagem-miragem,
Ao lavar a alma na água da
lagoa,
Se sentiu fotografado,
encantado com a própria imagem
Refletida no espelho de prata
da lagoa:
A vincha
prendia as melenas compridas...
A roupa branca, molhada...desbotada...remendada...
...para os olhos, prateada!
Ah! Os olhos em chama...
Muito...muito além do horizonte de si mesmo...
Os olhos pressentiram
Que no fundo daquela noite
negra
Havia um precipício
profundo...
E as asas imaginárias tiveram
a sensação libertária
Da pequena garça branca- ave menina, brancas nuanças-
Que em saia branca de cetim
ensaia e se lança
Nas asas tranças,
Num vôo de esperança sem
volta e nem fim...
E o final seria assim!
Não fosse a perseguição das
águas negras da razão
Que fez com que as velhas
asas da imaginação
-trêmulas,
solitárias-
ainda tivessem forças para tentar o vôo em vão,
e chegassem ao ponto mais alto dos pícaros da solidão.
E se lançassem ao abismo
Como se fossem garças brancas
Que partem sangrando
horizontes
Em busca do sonho fugaz...
Porque nem o Tempo nem o
Vento...
...nem mesmo a morte desfaz
os anseios
daqueles que lutaram e tombaram
pelo amor...pele Liberdade...
...e, pelo direito de Viver
em Paz!...