O ROMANCE DOS MEUS OLHOS

Júlio César Paim

 

Não... Não há distância

quando se tem olhos andantes,

e neles um potro de luz

rumo ao brilho de um olhar distante.

 

Não...Não há distância

quando se tem na alma

um pensamento verde-azul de pampa e céu.

O longe é perto

pra quem já foi ao campo em busca de uma flor.

 

Não... Não há distância

pra quem encontrou no barro, uma missão,

e o amassou com fé,

com os pés, e com o coração...

-Erguer casa de barro e capim,

e ver nela crescer esse pássaro sem asas,

que não canta mas mesmo assim encanta

e já parece fazer parte de mim.

 

Não...Nada pode conter,

no amanhecer,

o vôo das aves da paz

que fazem de cada manhã

uma nova partida, uma nova missão

e que antes do início da noite sempre retornam

porque é necessário voltar

pra reencontrar sua razão de vida.

 

não, não existe distância

quando se tem a dimensão do silêncio

E o anseio da ave grande- a condoreira,

de asas livres e a alma aberta

e que voa mais alto e mais longe

mas que sempre volta para a companheira.

 

Não... Nada é distante,

não há nada que nos canse

quando se tem esperas nos olhos

e o coração entregue a um só romance.

 

tudo isso ainda é pouco

pra quem busca o brilho de um olhar

que  se fez clarividente,

fogo, vertente

que alaga a alma e incendeia a carne

e acalenta o desejo de beijo incandescente.

 

eu sinto que é preciso mais.

É preciso que se tenha, livre no olhar,

uma lágrima com paixões de sanga

e nela o incontido brilho das miçangas.

É mister que essa lágrima detenha

a força interior de um botão de flor,

e que seja capaz de quebrar

a cortina de vidro do olhar

que nos impede de chorar de amor.

 

É necessário mais,

seja um olhar de paz,

uma garça branca ao vento

e um carretel de linha azul de céu,

no pensamento.

 

Também é preciso um tempo,

pra alinhavar de novo um velho sonho

que alguém, sm vão, tentou rasgar

mas que agora começa a ser remendado,

bordado por mãos noivas, costureiras,

com os fios dourados da aurora

e com a mais branca flor de laranjeira.

 

Sim, é essencial que sempre se tenha

-não apenas na paciência-

mas na transparência do olhar

a calma comovente da alma-avó,

tricotando o frio, nesses invernos,

e desmanchando o tempo, em seu retrós,

para bordar terá uma vez...

nos olhos da menina-moça,

brilhante o olhar, o corpo de louça

que só um olhar há de tocar

pra que não quebre o encanto em pleno ar.

 

É, pois, preciso que se entenda tudo isso

e muito mais, para que se tenha

a exata dimensão de amor tão grande...

Amor que vem de longe e que é tão perto!

Amor trancado num baú vermelho

-alado o coração de minha avó,

que adormecia nas asas da paixão

mas que a cada dia despertava

tão consciente de si

e ao mesmo tempo, tão só...

 

provavelmente tenha sido dela

esse sentimento que me habita o peito,

e mais parece um pássaro sem asas,

mas que apesar de tudo, ainda sonha.

 

Quando meu sonho voa,

parte em busca dos teus olhos,

vai sem palavras, vai puro coração...

Talvez leve o silêncio em partituras

e os seus segredos

irão na linha harmônica dos dedos,

nos quais repousa a ternura,

e sensualidade de uma alma

e a magia de um corpo de mulher.

 

Só me deixo revelar,

através do teu olhar,

nesse mágico poema,

tão difícil  de interpretar,

quase impossível decifrar...

Quando se tem olhos ardentes

e neles, um ponto de luz

rumo ao brilho de um olhar distante

acende-se em nós um fogo avesso,

ai o coração é uma chama só...

Meus olhos pousam nos teus

e o mundo fica pequeno

tanto amor nos manda Deus.