DA QUEDA À ASCENÇÃO DE UM DEUS DE PAPEL

Julio César Paim

 

E nasceu mais um menino!...

...igual a todos os meninos de seu tempo,

veio ao mundo pobre, sem nada...ou

alguém já viu uma criança nascer com

uma moeda no bolso?

Mas ele, que deveria ter nascido na

Véspera de Natal, nasceu antes do próprio tempo.

 

Sua avó que, antes de ser, já era Estrela

Fez uma promessa:

“Se tu te criares, meu deus-menino,

te farei uma roupa branca com asas de anjo,

para que possas seguir o rumo das aves de paz!

Que sejas igual ao vento: eterno andante...

...amante da terra, do céu, do mar...

...do fogo, das águas. Das flores do

campo... dos bichos...das plantas...

...do Ser humano. Amante da lida, da

vida, lanceiro do amor!...

que se assim se fizer nunca te sentiras só.

Sempre encontrarás a porta de um coração

Se abrindo com um copo de água cristalina...

E que sempre te encontres na menina de teus olhos,

Que é estrela morena- razão de teu andar!...

 

E o menino se criou...

...lidando com o gado. Amansando cavalos...

...atrelando-os à carreta. Arando a terra.

Plantando flores no campo verde-azul de seus olhos...

...cuidando do pomar. E lançando pinhão na terra de mato.

 

E em horas de não-ser e assombração

Começou passar a limpo um século de solidão

Deixado nos velhos rascunhos de uma Guerra

Sem pé nem cabeça, que o pai se seu avô

Escrevera em originais com cheiro de pólvora e sangue...

...manuscritos, bem escritos que, sua

bisavó só, nunca conseguiu compreender,

não que não soubesse ler. Pra ela só terra

poderia ter a cor do sangue.

 

O resto,

Tudo deveria ser tão branco

Quanto um cordeirinho diante a primeira luz

Ou tão azul quanto um sonho diante do mar!...

 

Crescido,

O moço guardou no coração

Uma palavra: amor. E, um verbo: amar...

...conjugado em dois tempos de uma só vez,

no futuro que é presente que nos chega antes da hora.

Do verbo AMAR fez oração de chamar o sono.

E, do AMOR uma canção de acordar o sol!

 

Numa noite de primavera o moço teve três sonhos

Que deveria realizar pra ser feliz:

UM CAVALO BRANCO, UMA FÁBRICA DE

PAPEL E...(acordou com o canto da dor de um calo

Sangrando a aurora da palma da mão.)

 

Era hora de abrir os olhos para o mundo!...

Cevou o chimarrão. Mateou só...

Virou a erva pra não ver a cor da ausência.

Encilhou o mate e tocou por diante

Uma tropa de sóis e luas que esqueceu de contar.

 

A querência que já fora sua

Agora parecia tão distante de si.

Era hora de partir

Em busca de um ideal maior

Ou, talvez, talvez para encontrar-se

Consigo mesmo

No espelho vivo de um olho d’água...

 

Trocou tudo por cavalo branco.

E por anos-luz o velho-moço e seu cavalo

Viram, sem ver,

Imagens que jamais deveriam ter esquecido.

 

Um dia, cansado de andar,

Puxou as rédeas do cavalo de vento.

Apeou. Desencilhou. E o soltou mundo afora.

Foi como se tivesse tirado os arreios das costas!...

 

A pé, começou a viagem de volta

Pra realizar o segundo sonho: a fábrica de papel.

Do cavalo branco restou um cabresto de prata.

Trocou-o por uma pequena serraria

E foi serrando pinheiros. Pinheiros e

Pinheirais, desses que hoje não existem mais...

 

Enquanto plantava uns, cortava outros.

Logo, possuía a totalidade das coníferas

Que cresceram sob os olhos de Deus.

Cortou todas, inclusive as que ele mesmo

Plantara e que agora em queda vertical-

Não livre- abriam rombos no verde de sua imaginação.

Sem notar, ele também tombara com a última araucária

Que fora plantada por suas próprias mãos.

 

Era sua toda a celulose do planeta.

Todo o papel do universo estava em suas mãos.

Então começou escrever versos e versos,

Na intenção de ser o maior escritor do mundo.

Fez um poema e pôs ao seu lado. Fez

Dois, três cem, mil, um milhão. Um

Trilhão de poemas...

E foi levando com poesia e paixão

O maior castelo que alguém poderia imaginar.

 

Eu não sei quantos sóis

Que morreram e voltaram a renascer

Não percebeu o tempo passar...

E o moço, agora de alma envelhecida,

Já não percebia que no grande castelo

Não havia a lua,

Nem o vento- que é sinfonia...

Nem um portal de sol pras tardes vazias.

E não tinha ficado uma festa pra ternura entrar

E iluminar o caminho de quem vem com boas novas!...

 

Aí, tudo escureceu de vez.

E o senhor do papel teve a sensação

De dar adeus ao mundo. O velho-moço chorou.

E foi tanto o pranto que se fez um mar

Sem uma única ilha pra ancorar...

Tudo ficou da cor do nada.

E quando a vida ia saltar pela boca

Houve um suspiro do fundo do coração...

 

Uma névoa azul soprou do íntimo da alma

Levando todos os seus poemas...

O castelo de sonhos se fez castelo de vento.

 

 

DE QUE SERVIA UM GRANDE

CASTELO DE PAPEL

PRA QUEM NÃO TINHA UM

CANTINHO NO CORAÇÃO DE ALGUÉM?

 

O vento levara tudo, ou melhor, quase tudo

Ficara apenas um pedaço de um poema

Em seus olhos, no romance de seus olhos:

“Não.

Não há distância...

...quando se tem olhos andantes

e, neles um potro de luz

rumo ao brilho de um olhar distante...”

Mas e qual, era o terceiro sonho?

Ergueu os olhos ao céu, e a Estrela

Mais brilhante se deixou interpretar:

“...se pretendes ser livre,

se queres a paz dos deuses,

se queres morar mais perto de Deus...

...volta! Volta ao teu interior,

onde pulsa o coração do mundo.”

 

Lá sempre é primavera!...

Lá mora tua estrela morena,

Que é a tua outra metade, cadente

Que não se deixa partir,

Que não nasceu pra ser partida.

Por que é tua alma gêmea- a prometida

Que finges não ver, porque a confundes

Com a tua própria vida!...