ÑÃNQUENTRU

Juca Ruivo

 

O sereno chorou no santa-fé do banhadal,

onde o pássaro filósofo assuntava num pé só,

segredos que os homens não penetram...

 

Mas, — o índio Ñanquentru nem se fixou

no pensador do tremedal,

no socó

que traduzia ensimesmado,

a tortura interior dum talento desaproveitado...

 

Não se fixou no metafísico de penas

nem no martim-pescador,

porque o tostado se afundava no sumidor,

mostrando apenas,

os buracos dos olhos arrancados

pela gana dos urubus.

 

Então, fez cara-volta pra não ver

aquela morte angustiosa,

nas águas barrentas e viscosas

do olho-de-boi.

 

Depois, gemeu e memoriou: -

Minto.

 

Cortou em meio o choro asselvajado,

sentindo faiscar-lhe no olvido, -

como uma flor perdida na planura,

 

a lembrança feliz d’algum dia bem vivido,

d’algum dia de ventura,

na vida de xucro mal domado.

 

Nas tardes,  o tostado adivinhava o rumo

da tapera da canhada,

que fora em tempo mais ditoso,

a morada

do Senhor, — da estranja, —

do pai da moça de cabelos cor de sol,

a quem rendia um culto silencioso...

 

Ele, — para mirar por longas horas

seus olhos de fundo de lagoa

e ouvir nos acordes de canções sonoras,

histórias duma Pátria mui distante...

 

O flete, — pra sentir-lhe a seda das mãos finas,

num roçar acariciante,

entrançar-lhe as clinas.

 

Como em retorno às eras de abugrado,

a saudade selvagem ressurgia,

estranhamente,

em mescla indefinível de sentimento vário,

quando o tostado estremecia

a várzea com relinchos,

ao divisar o rancho solitário.

 

E compreendeu a soledade da sua alma,

sem o cavalo fiel, naqueles plainos;

 

porque juntos aguardavam pelos anos,

o volver da mulher ruiva

que foi se embora, sem dizer adeus...

 

Uma lua cor de água parada,

destacava, quais dispersos marcos,

esqueletos ao léu, pelos abertos,

clareando aos brutos inespertos,

a traição mortal daqueles charcos.

 

E um bando de biguás, em algazarra,

despertando o ar dormindo do relento,

riscou num vôo lento,

em formação bizarra,

o horizonte crepuscular.

 

Ñanquentru ouviu a toada chamativa

dum tajan no aguapesal,

igualante à voz do seu patrão.

 

E personificando a mágoa primitiva

da sua velha raça absorvida,

calcando a pena, quase irracional,

rumbeou para o galpão.

 

Ali, — mirando fundo as brasas do borralho,

se aboletou num cepo já lunanco,

refugando o mate que o “sóta” lhe ofertara;

 

e dando cancha à dor que arrinconara,

abarbarado e triste soluçou de arranco,

num lamento ancestral de autóctone:

Cabou-se o meu tostado!”