C O R D E O N A

Juca Ruivo (Jose da Silva Leal Filho)

 

As minhas noites de guasca bruto,

muito mais largas do que as minhas penas,

noites amargas,

quando serenas,

não são tão largas

quando te escuto.

 

Cordeona! Quando te escuto

pelas noites silenciosas,

nas tonadas harmoniosas

que de teu bojo se expandem,

escuto a voz do Rio Grande,

chorando o fim duma Raça!

Então, — cordeona, — perpassa

veloz em meu pensamento,

e que recorda o lamento

da tua triste carcaça:

 

Quando o silêncio despertas

com tua langue sinfonia,

refletes a nostalgia

do Índio e do Português!

E se te exaltas, por vez,

caprichosa e altissonante,

és a audácia Bandeirante

e a fidalguia de Espanha,

pois tua sonância estranha,

temsalero  e intrepidez.

 

Quando acordas o escampo,

onde o teu som se esparrama,

revives o velho drama

da formação Gauchesca.

És bárbara e és quixotesca;

e se a fremir te extenuas,

lembras berros de Charruas

em potreadas nas fronteiras.

Nos baixos das tuas hileiras,

anda o ritmo “Ariri

dum cantochão Guarani,

Nas reduções Missioneiras.

 

Evocas, quando tu rompes

no tropel das seguidilhas,

clarinadas Farroupilhas,

entre brados e descargas!

Relembras o ferro afinco

dos “finca-pés”, — bem na frente;

e dessa mescla fremente

de sons que guardas no peito,

Cordeona! — certo, foi feito

o Hino de Trinta e Cinco!

 

Assim, cordeona, — Acompanhas

na tua velha cadência,

do esplendor à decadência,

a Raça que foi padrão!

E quando pela amplidão

tu cessares de vibrar,

de ser pra acompanhar

num derradeiro repuxo,

os funerais do Gaúcho

na cova da Tradição!

 

Feliz do Guasca, — cordeona,

que te conhece os segredos;

que arranca a alma com os dedos

e o coração traz à boca;

que traduz a ânsia louca

e o sentimento que o lavra,

substituindo a palavra

por tua linguagem rouca.

 

Oh! velho órgão crioulo

das catedrais da planura!

 

Teus gemidos de amargura

são penares de alma inquieta,

de algum Gaúcho poeta

na peleia desgarrado

e que cumprindo o seu fado

inda implora uma oração.

 

Quanto a mim, é devoção

ouvir-te a música antiga,

porque és a melhor amiga

dos que amarguram na quieta...