Carreta
Juca Ruivo (José da Silva Leal Filho)
Como adeus em despedida,
vai-se a tarde, tristemente.
Pelas bandas do poente
um sol de seca esmaece.
Há como um rumor de prece
nas gargantas emplumadas.
Cessa a vida nas estradas,
nas grotas e nas coxilhas
onde as últimas tropilhas
campeiam seu parador.
Na volta do corredor
surge uma quadrilha a trote;
na culatra, um piazote,
gineteia num tostado
chupando o beiço, apurado,
para chegar convidando...
Um tordilho retouçando
e dois baios seguidores
fazem testa, anunciadores
da acolhedora querência.
Pena tudo na inclemência
do castigo das pastagens.
Não há frescor nas aragens
que sopram de quando em vez.
Sequiosa chega uma rês
na lagoa chapinhada
onde garça ensimesmada,
encolhida na tristeza,
memoreia com certeza
saudades doutras paragens...
Varre o “Norte” poeirento
horizontes em fumaça.
Uma carreta que passa
rompe a calma do instante.
Vão dois tambeiros por diante
repinicando o badalo.
O chiru velho a cavalo
vai abanando a picanha,
— enquanto o coice acompanha
da “ponta”, volta por volta.
Em fios a baba se solta
das quartas xucras de canga.
Os quero-queros na sanga,
contam logo a novidade!
Tão raro na atualidade,
é o cruzar duma carreta
que esse pássaro xereta,
do vulto estranho se
assombra!
Do guaipé, que na sombra
da mesa, marcha assoleado;
do corote pendurado,
da trempe que junto vem;
Do resmunguento nhem...
nhem...
da buzina de aguaí
e da petiça ñambi,
de tiro no recavém.
O couro bate na porta.
Vai o muchacho de arrasto
deixando atrás o seu rasto
rabiscado em linha torta;
mas, na estrada poeirenta
terá o rasto curta vida,
porque o vento é de tormenta
e mui pronto o apagará.
A noite pampa se acerca.
Desperta em sons a planura,
seu concerto de abertura
afinando em notas claras.
Zune o vento nas taquaras
arrematando a algazarra
qu’inda faz uma cigarra,
cargosa de se calar.
Então, - me fico a pensar
que o velho traste pampiano,
do seu destino haragano,
já vai tocando no termo.
E que ao cruzar pelo ermo,
engolindo as léguas largas
das estradas do rincão,
carrega as últimas cargas
da Gaúcha Tradição!
Velha relíquia do pago
já hoje por imprestável,
no rol das coisas proscritas.
Recordas quando transitas
na tua lenta passagem
um passado memorável
de luta, glória e nobreza!
E ao relembrar que a paisagem
tu deixarás de animar,
acampando a tua pobreza
em pousos à beira d’água,
eu sinto uma grande mágoa
e um profundo pesar!
Carreta! és igual a mim
que também já chego ao fim,
gaudério, sempre a cruzar...
Alma velha em corpo gasto,
da vida pelos rincões
vou cruzando sem um rasto,
carregado de ilusões.