AS ÚLTIMAS VONTADES
Juca Ruivo
Aos Compadres do Rincão para
cumpri-las,
por si acaso não “seguirem”
antes...
Não é de hoje que me
negaceias,
Velha Macabra, da cruel
gadanha.
Voam corujas me olfateando o
rancho
e urubus em faro de carniça;
sinais de agouro e de que rondas
perto.
Chega no mais! não faças
cerimônias!
Nós os dois somos velhos
conhecidos
e não é por me gabar, — mas
tu bem sabes
que nunca me assustei da tua
caveira.
Chega de frente! Não sejas
traiçoeira!
Sempre estou pronto pra te
dar peleia.
Inda tenho pulso firme e olho
vivo
para te provar o fio da minha
adaga
e dum revés, lanhar tua
ossamenta!
Não tem conta os pealos que
me erraste
nem as esperas que me tens
armado,
todas falhutas, pois não me
descuido...
Lembras da Ponte do
Ibirapuitã,
donde caolho me escapei
garreado,
dando garupa e acabando a pé,
esguaritado, de freio na mão?
O tendal que fez o teu
chanfalho
naquela tarde que cheirou a
sangue,
atopetando o cemitério pobre
que era só para defuntos
afogados!
E depois em Quatinguá, —
longe do pago,
onde o negro Malaquias, —
negro Taura —
companheiro de crespos
entreveiros,
estrebuchou sem tempo dum
suspiro?
Esta carreira que temos por
empate,
me ganharás um dia, “no hay
caso”.
Por mais que se corpeie e se
defenda
ninguém escapa à tua sinistra
foice
e nem vou ficar para
semente...
Mas comigo não farás, — toma
bem tento, —
como a qualquer perrengue
calça flouxa.
Hás de botar um bofe, — eu te
garanto,
para levar-me “desta pra
melhor”.
Não desejo ocupar “os setes
palmos”
a que todo o Cristão tem o
direito.
De lenço colorado no pescoço,
retovado num couro me
sepultem,
num buraco, de pé, e bem
socado,
igual como pau-mestre de
alambrado,
na beira duma estrada
rinconeira;
a cruz já está pronta e foi
benzida;
do Terço o Negro Zefo dará
conta.
As armas junto; o poncho e o
pala,
os arreios, o laço e as
boleadeiras.
Não sei os Maragatos no outro
mundo,
se aí terão guarida; e na
fiuza
de que são Pedro precise de
campeiros...
Da ponta das tambeiras, — meu
desvelo, —
das que mais repontem o
matambre,
carnear as novilhas que
careçam
pra um churrasco na noite do
velório.
As sobrantes marcar pros
afilhados.
Convidar o vizindário e o
pobrerio,
as chinocas e os muchachos
bailarinos;
dois gaiteiros para animarem
o fandango.
Que haja canha e outras
beberagens
para esquentá-los até de
madrugada.
Ao sair do sol do outro dia,
de carroça me levem a
carcaça,
entre toques de shottis e
habaneiras,
com tiros de garrucha na
culatra
para alegrar o
“acompanhamento”.
Resta a sorte do meu Zaino
Malacara,
flete de lei, — dezesseis nas
duas quadras —
o mais “confiança” entre
quantos encilhei!
No Garupá donde é crioulo,
que o soltem
nalguma invernada, onde
garantam
que ninguém lhe bote as
garras
e que o tragam,
de vez em quando, numa
recolhida
para baixar o toso e aparar
os cascos;
até que num agosto garoento,
de velho, bata a cola na
coxilha.
Das cinzas do borralho das
lembranças,
só uma pena carrego para a
tumba:
ter dado tão pouco do meu
sangue,
pela Glória e a Tradição
deste Rio Grande!
No mais, — rematando a
despedida:
Si não fui “Guasca liso e sem
babado”,
também não fui o pior entre
os piores.
Pedindo a Deus o perdão dos
meus “mal feitos”,
sem agravos nem vanglórias
com ninguém,
cambiarei de morada, em paz
com todos.
Amém Jesus.