VIAGEM NO ALÉM DAS ASAS
Juarez Machado de Farias
Quando
Dindinha, doente,
fechou
os olhos miúdos
e
abriu os outros da alma,
reencontrou
os campos velhos,
a
casa branca e sombria,
saudosa
de seu estar!...
Os
santos e tantos anjos
que
jaziam pelos quadros,
abençoando
a casa inteira,
cantaram
ao seu encontro,
saudando
a mãos de alegria
quem
renascia da terra.
Toda
enfeitada de aurora,
viu
chegar Nossa Senhora
e convidar-lhe,
sorrindo:
- O
céu pampeano te espera,
quem
costurou tarde a fora
as
flores do dia lindo!...
Respondeu,
agradecida:
- Só
me deixe, antes de ir,
aguar
a flor da janela,
que
ficaria tristonha
essa
bonita begônia,
se
eu me esquecesse dela.”
Queria
também dar leite
para
o cordeirinho guaxinho...
Mas
disse Nossa Senhora:
- Não,
nós temos que ir agora,
que
o céu é lugar bonito
mas
lá pra tudo tem hora.”
Dindinha
voou, celeste,
vencendo
degraus de nuvem,
haragana
em seu caminho,
seguida
por essas almas
aladas
de amor e fé,
livres
do fogo e do espinho.
O
Grande Pai, bom, eterno,
cingindo
as barbas de inverno,
convidou-a
pra sentar-se
à
direita de seu trono,
privilégio
de tão poucos
que
sobem da terra amarga.
Ela
seria uma fada
movendo
o condão das lendas,
a
lhe embalar para o sono.
Também
servir alguns mates
e
lhe contar da saudade
da
sombra de um cinamomo.
Dindinha
escutou aquilo
e
se riu, meio acanhada
com
tanta e tanta importância,
ela
que fora tão simples
igual
à flor que viceja
nos
fundões de alguma estância!...
E
murmurou, mais solene
que
os mais antigos do céu:
-
Eu não mereço a honraria
que
o Senhor, cá, me oferece,
se
eu mal gaguejo uma prece
desde
os medos de guria.”
- Nasci
naquele rincão
na
costa do Barrocão
que
o senhor já viu correr.
me
acostumei com tão pouco,
não
tive colégio bom,
nem
muitos livros pr’eu ler.”
“ Ficar
na sua direita
é a
honra mais perfeita
que
até me põe constrangida.
Me
criei mexendo em horta,
não
quero coisa maior
que
aquelas que tive em vida.”
“ Só
me conceda o encanto
de
ter um lenço de estrelas
pras
ocasiões de algum pranto.
Quero
somente uma nuvem
pra
olhar os meus que ficaram
e o luar sobre esses campos.”