UMA
HISTÓRIA DE INFINITOS
Juarez Machado de Farias
Uma tropa
vem ponteando na subida
de uma estrada,
a concertina do berro
aberta em foles de sol...
Nicácio,
mirando o céu,
vai regendo esta serpente
bebendo o próprio suor.
Quando os olhos eram outros,
que não os turvos de agora,
Nicácio era um piazito
regendo as tropas de osso,
em corredores de aurora...
Pandorga brincando ao vento,
este negrinho risonho
rastreava as paixões da vida,
em alpargatas de sonho.
Os anos contam passados:
agrados e desenganos.
Nicáio tornou-se outro,
que não aquele piazito
assobiador de minuanos...
Levando esporas afiadas,
carneadeira silenciosa,
o barbicacho no queixo,
tornou-se caraguatá
a flor campeira que havia
na terra escura do peito.
Proseando pouco nas rodas,
mateadoras do galpão,
rastreava o pão das guaiacas,
em alpargatas de chão.
Quando sentiu-se solito,
um rancho de poucas luas,
ergueu-se na curva do poente...
(Agora, um corpo de brisa
repousa no ombro rijo
sua cabeça de noites.)
E avistou tantas geadas
que, certa vez, encontrou
o primeiro fio tordilho
anunciador de outro tempo.
Conduziu tantos arados
que, certa vez, encontrou
vergas vazias no rosto,
saudosas do rosto em flor.
Descobriu tantos caminhos,
que tornou-se estrada longa,
esquecida de horizontes.
Olhando o rancho pequeno:
o gurizito mais novo
a chorar por um brinquedo
porque chegava o Natal,
Nicácio bombeou seus braços,
arfantes moirões de cerno
costeando a estrada real.
A mulher varrendo as folhas
do cinamomo da frente...
sem a brisa nos cabelos
e o riso de antigamente.
Esquecendo a sina ingrata,
nas horas calmas do fumo,
rastreava o céu dos tropeiros,
em alpargatas de nuvem.
Nicácio fita os espaços
alheios de seu redor,
contando os pingos perdidos
de solidão e suor...
Ontem, chegou-me a notícia
do velho tropeiro morto...
- com que mãos a pobre viúva
lê ofertará esta flor,
bandeira xucra dos campos
que o finado tanto amou?
Assobiando uma saudade,
rangeu cancelas adentro...
Nicácio percorre o céu,
em alpargatas de vento.