O ÚLTIMO CHAPÉU

Juarez Machado de Farias

 

Vovô partiu pra tão longe,

Era uma tarde cinzenta...

Não sei que céus procurava

Ou que destino queria.

Não era mais o campeiro

Que meus olhos encontraram,

Era um piazito franzino,

Encolhido na invernia.

 

Não trazia mais o pito

A fumacear no infinito.

Esqueceu a dentadura

E as histórias de memória.

Olhou-me antes de ir,

Ou talvez nem me encontrou;

Os netos crescem e ficam

Mais longe de seus avôs...

 

Vovô partiu pra tão longe,

Perguntando para os cantos

O paradeiro das coisas

Que um dia foram encantos.

Tão surdo, não escutou

O último adeus do vento,

Mas lembrou do testamento

E o tanto que se extraviou.

 

Os dois umbus silenciosos

E uma figueira xirua

Fizeram larga vigília,

Transpondo a noite sem lua.

E do mistério dos campos,

Entraram pelas janelas

Quatro acesos pirilampos

E acenderam quatro velas.

 

Vovô partiu pra tão longe,

Não sei por onde andará.

A terra que lhe escondeu

Não pode ser seu final:

Quem perseguiu as coxilhas,

Em seu tostado folheiro,

Transpõe as linhas da Morte

E as fronteiras do Silêncio.

 

Os braços que tantos laços

Esparramaram armadas

São moirões de tarumã

Costeando a várzea encantada!...

Tecendo a xucra labuta

Em carne dura e suada

E germinando as sementes

Da colheita ensolarada.

 

Os olhos que o Céu pintou

Com nuvens de tempo bom

Não são estrelas cadentes

Que sepultam-se no chão:

São duas vertentes guapas

Nascendo o milagre d’água,

Cacimba de mil barris

Puxados por mãos de enxada...

 

Vovô partiu pra tão longe,

Sem compreender a partida;

A dor ensina o aceno

Nos desencontros da vida...

 

Ficou no canto da sala

O seu último chapéu.

-Quem sabe de cor o rumo

Dos campos verdes do Céu?