EU VI DEUS NO MEU RANCHO

Juarez Machado de Farias

Eu montava meu sebruno,

Tropeando um sonho reiúno,

Desperdiçando horizontes...

Sedento, esbanjando fontes

Prateando pés de coxilha.

Eu não via maçanilha

Bordando vida no campo,

Desprezava o pirilampo

Que punha luz na minha trilha.

 

Não fui Moisés, o profeta

Que viu Deus na sarça ardente.

Achei meu Deus no poente,

Nas tintas rubras da aurora...

Num reflexo de espora

Que o sol ergueu do nascente!...

 

Seu nome já não silvava

Nos meus lábios de pagão,

E a milonga já faltava

Nas cordas do meu violão,

A poesia escasseava

No poço da inspiração.

 

Então, vi Deus no meu rancho.

Entrou, sem pedir licença,

Pois há tempo era presença

Constante onde eu morava.

Só eu que não o enxergava,

Por padecer da doença

Que nos rouba toda a crença,

E que aos poucos me cegava...

 

Quem me abriu os olhos turvos

Pra lucidez da estrada

Foi tua luz, prenda amada,

A quem faço serenata!...

Tua fragrância de mata,

Teu silêncio de oração

Eu bebo no chimarrão,

Por tua bomba de prata!

 

Descobri Deus no meu ser,

E em tudo o que me rodeia:

Na face da lua-cheia,

Na justa luta renhida,

Na mão que não vê medida

Pra sofrenar o sofrer.

Descobri Deus no morrer

E em toda a forma de vida!

 

Eu vi Deus lá no meu rancho,

Ao voltar da marcação,

Desencilhar o alazão

E o libertar no piquete...

(Arreio no cavalete

ou estendendo o xergão.)

 

Eu vi Deus lá no meu rancho,

Quando peguei a cantar:

Vi meu canto se tornar

O mais sincero louvor,

Fechei o rancho pra dor

E abri meu peito sem mal,

Era dia de Natal

Quando descobri o amor!...