RIMAS DE RIOS E REMOS
José Luiz Flores Moró – “Poema enviado pelo autor”
“Olha
o dourado
Que bateu no espinhel...”
As
notas são grãos de orvalho
Nas partituras do vento...
A
melodia do canto
Que
o velho traz para os lábios
Transcende
os sons do silêncio
Que
a mata faz para ouvi-lo
As
rimas – vaga-lumes teatinos –
Alçam
vôos da canoa
Enquanto
a taipa da erva
Se
desbruga, despacito,
No
precipício da cuia...
São
horas largas de espera
No
suave embalo das vagas...
Já
havia, por mais de horas,
Que
o maleável dos caniços
Não
se mexia, sequer,
Com
o peso das mariposas
Que
namoram a luz da estrela
Refletida,
tremelente,
Nos
vernizes das taquaras.
O
cantar tem propriedades
Que
exteriorizam mistérios
E
extravasam lembranças
Que
só a quietude da alma
Tem
bretes pra aprisionar!
O
olhar é um barco perdido
Navegando...navegando...
Nos
aléns da correnteza,
Afogando
sobre as águas
Iscas
amargas de mágoas
De
quem insiste em pescar!
“Olha
o dourado
Que
bateu no espinhel...”
O
canto também mergulha
Pelas
ondas da lembrança...
Um
pirilampo teatino
Acende
o sol do pensamento
E,
por um breve momento,
O
velho volta ao menino...
Nas
águas turvas da noite
Renasce
um tempo remoto
Que
se divulga andarengo
No
sorriso da criança
Sentada
ao trono da proa.
...
e o canto daquele tempo
trazia
na melodia
toda
a regência de Deus!
Ali,
na mesma canoa,
bocózito
á tira-colo -
Linha
de vara e varejo,
Arena
antiga de luta:
UM - usava a força bruta
Tentando
por pão na mesa.
O
OUTRO - por natureza,
Beliscando
a própria vida,
Mas
ambos por conveniência,
Buscavam
a sobrevivência
Na
mesma fisga do anzol!
As
suaves noites da pesca
Movidas
de barbatanas
Polia
o ouro da escama
Para
a alquimia das mãos!
As
chumbadas mergulhavam
Nas
clareiras do aguapé
Boteando
iscas de estrelas
Que
se miravam brejeiras
No
espelho dos rodilhados
Onde
as coplas guitarreiras
Maestravam
os grilos da beira
Num
milonguear de trinados
...
embora a sua maneira,
de
estridente barulheira,
os
grilos também cantavam!
Sob
as guaritas dos juncos
Os
biguás faziam “frestas”
Pros
cardumes coloridos
Que
desfilavam em águas rasas
Os
brilhos do fundo d’água
Nas
passarelas do rio.
Brincando
de pega-pega,
No
refletir da boieira,
As
bóias de corticeira
Mergulhavam
igual criança
Sorvendo
fundos de infância
Nas
águas da brincadeira...
Balés
de remos e linhas
Desenhavam
serpenteados
Por
entre os furos da lua
E
as “esperas” entesadas
Tremiam
as folhas molhadas
Dos
galhos do sarandí,
Onde
um martim-pescador
Fazia
o jantar campeiro
Com
pratos de lambari!
Qual
pala cobrindo o corpo
De
alguém que se queira bem
Nas
noites brabas de frio,
Tarrafas
abraçavam águas
Com
as malhas da ternura
Trazendo
mil criaturas
Como
pedaços do rio!
Bolas
de massa de pão,
Cevadura
de farinha
Nos
prazeres do guri
E
aquela estranha alegria
De
ter fisgado, algum dia,
O
seu primeiro lambari.
Sim...
Havia
um mundo “a la farta”
Nesse
universo de sangas
Boteando
grãos de pitangas,
Guabirovas...
araçás...
Com
essa biodiversidade
De
flora e fauna à vontade,
Jamais
se imaginaria
Que,
em tão próximo futuro,
Ficassem
vagos e escuros
Os
postais da ecologia!
Pois
eis que um tal de progresso
Esporeou
de solavanco
Os
fletes da evolução
E o
homem, desordenado,
Tornou-se
outro afogado
Nos
mananciais da ambição...
...
as rimas de rios e remos
Que
singravam suavemente
Nos
lábios do pescador
São
versos que, tristemente,
Exaltam
gritos de dor!
A
espuma que vem nas águas
Não
é mais baba-de-sapo
E o
pintado pança-inchada
Que
bóia entre os juncais
Afogou-se
em águas de chuva
Que
desceu dos lavourais.
Varais
de redes vazias
Varrem
o barro limoso
Na
esperança malograda
De
encontrar perante o nada
Pelo
menos um peixinho,
Cabisbaixo...
absorto...
Para
provar para as malhas
Que,
apesar dessas migalhas,
O
rio ainda não está morto!
...
Embora o canto das águas
Tente
alertar que já está...
“Olha
o dourado
Que
bateu no espinhel...”
Caramba!!
Quanta tristeza
De
quem já fez e não faz,
Não
por velho e incapaz,
Mas
pela ausência do peixe,
Pois
tenha o canto que tiver
E
seja o homem que for
Somente
é um bom pescador
Se
houver um peixe qualquer!
As
claras réstias do dia
Desenha
sombras na proa
E a
saudade, na canoa,
Chega
ao porto do presente...
Só
o canto do pescador
Continua,
indiferente!
Hora
de finda e de volta
No
recorrer dos pesqueiros...
Na
fieira,
Apenas
saudade
E
mais um canto tristonho
Nos
lábios do coração!
Noite
seguinte,
Quem
sabe,
Dê
mais peixes que ilusões
Ou,
talvez, nos beliscões
Que
a linha alerta na mão
Surja,
de fato, na mesa
A
“bóia” da natureza
Que
ele escolheu como pão!
Pois
quem desata cantares
Nos
hinos da própria vida
Tem
a sina parecida
De
quem belisca o anzol...
E,
mesmo não encontrando peixes,
Consegue,
pelas barrancas,
Soltar
linhas de esperança
Rente
ao lodo dos fundões...
Pois,
nos anzóis da utopia,
Tem
dons de cevar paciências
Iscando
reminiscências
Pra
fisgar sonho e ilusões!