QUANDO O SUL RODOU NAS RODAS DAS CARRETAS

José Luiz Flores Moró

 

No princípio...

Foram patas de cavalos

Que afundaram trilhas pelos campos virgens

E ombrearam rumos, difundindo origens,

Para a geografia de um Rio Grande outrora.

Foram passos e patas de um "vagau" centauro

Que amadrinharam esse gaúcho tauro

Para a exuberância do Rio Grande agora!

 

Logo depois, então, veio a carreta...

Incompreendidos chiados e lamentos,

Pois foi para esse choro em movimento

Que o pago primordial pediu carona

E do camarote rude de madeira

Viu surgir a pátria brasileira

Sobre essas rodas rudes e choronas!

 

E vieram rodas... E mais rodas...

O ferro do trilho e o cepo do dormente

Cortaram o silêncio do campo, de repente,

Diminuindo a distancia e os espaços!

Com rabanadas de rangido e graça,

Trasportaram o taura em rodas de fumaça,

Qual centopéia com o lombar de aço!

 

Um cavalo medonho e roncador,

Com patas de borracha e com motor,

Passou a ser mais guapo e estradeiro,

Levando o gado pra longe da invernada,

Sem gritos de "eira-boi" e sem pousadas,

Acabando com os ofícios do tropeiro!

 

E a roda rodou as engrenagens do progresso...

Impulsionando as asas dos aviões

E decretou a falência dos galpões

Que tinham por rodas só a de mates!

Mudou o visual dos conflitos e das lutas,

Acirrou a ganância e as disputas

Com outras formas apocalípticas de combates!

 

Mas a carreta... Ah! Essa é eterna!

E sempre viverá em nossa memória,

Como quem escreveu as páginas da história,

Que esse Sul legou para o amanhã.

E, mesmo carcomida nos museus,

Será o símbolo da humildade dos plebeus,

Que proscritos em guerras de titãs!

 

E quando o mundo rodar em "megabytes",

Pela virtual carreta das distâncias,

Alguém irá lembrar que nas estâncias

De um Rio Grande, que há muito já se foi,

Uma picana no lombo, que era moda,

Cutucava o progresso sobre as rodas,

Que choravam na tração lerda dos bois!

 

Por isso peço à geração que agora assume,

Com outros valores e meios de transportes,

E que têm na educação os seus suportes

Conquistados nos bicos das canetas,

Que não deixem de explicar para seus filhos

Que todos somos partes desses trilhos,

Deixados pelas rodas das carretas!